Um associado da Hebraica de São Paulo, um clube judaico, teve uma ideia: por que não ouvir as vastas emoções e os pensamentos imperfeitos de Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que deve concorrer à Presidência da República? O convite não chegou a ser feito formalmente. Consta que cerca de mil pessoas demonstraram interesse pelo evento. Mas um protesto com quase três mil assinaturas repudiou duramente a iniciativa. E a diretoria desistiu.
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Aqui e ali, dizem alguns que Bolsonaro tem de ser combatido, mas não silenciado. Ora, e quem disse que a Hebraica-SP o silenciou? Trata-se de uma entidade de direito privado. Fala nas suas dependências quem ela quiser. Os associados descontentes que apelem aos estatutos para ver se cabe algum recurso. Ou que decidam reagir na próxima eleição da diretoria. Falar em censura é ridículo. Sempre que essa palavra é empregada fora do ambiente estatal, estamos diante de uma óbvia impropriedade.
De resto, Bolsonaro é hoje o político com maior atuação nas redes sociais, dispondo de um verdadeiro exército de depredadores da reputação alheia. Nada silencia as bobagens que diz.
Já a Hebraica do Rio não só decidiu fazer o convite, como há manifestações de verdadeiro entusiasmo com o deputado.
Bem, fosse eu judeu e associado à Hebraica, é claro que estaria entre os quase três mil que repudiaram a presença do deputado no clube. E eu o teria feito — lembrando sempre que, nessa hipótese, eu seria um judeu — em memória daqueles que compartilharam com meus antepassados os campos de concentração.
Milhões de judeus morreram apenas porque eram judeus. Milhares de homossexuais morreram apenas porque eram homossexuais. As mulheres judias padeceram ainda mais.
Se um parlamentar sugere que o melhor tratamento que um pai pode dar a um filho gay é espancá-lo, acho razoável que judeus o desconvidem para uma palestra. E não porque judeus devam ser especialmente tolerantes com gays. Mas porque judeus sabem, mais do que qualquer outro grupo, o que é apanhar — e morrer — só por ser o que se é.
Mas Bolsonaro disse isso? Disse: “O filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um couro, ele muda o comportamento dele”.
Sim, sempre resta a alternativa de que os mil interessados na palestra de Bolsonaro estivessem curiosos por ouvir suas ideias sobre economia, por exemplo. Ou o que ele andou pensando sobre a inserção do Brasil no mundo nestes tempos em que o presidente do país que liderou a globalização contemporânea é um antiglobalista.
As mulheres da Hebraica tinham especiais motivos para repudiar a presença deste senhor nas dependências do clube. Não há como ignorar o sentido de uma frase que ele disparou contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS), cuja atuação política execro, como todos sabem. E daí? E ele o fez mais de uma vez. E não! Não estava no calor da discussão. Numa entrevista ao Jornal Zero Hora, mandou ver: “Ela [Maria do Rosário] não merece [ser estuprada] porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece”.
Está claro aí: estupro, nessas palavras, é uma distinção que deve ser concedida apenas às bonitas.
É asqueroso.
E vai aqui um recado: não dependo da leitura, da audiência ou das visitas de fãs do deputado. A campanha que seus sicários exercem contra mim não vai surtir o menor efeito. Ele já é réu no Supremo em razão de sua “economia estética do estupro”. Torço para que seja condenado. A menos que alguém consiga emprestar ao que diz um sentido virtuoso.
Reitero: judeus não estão obrigados a ser mais generosos ou mais rigorosos do que quaisquer outras pessoas. Mas judeus sabem como ninguém o que é sofrer apenas por ser o que se é.
Se há lugar no mundo para Bolsonaro e bolsonarismos, fico feliz que não seja a Hebraica. Ao menos a Hebraica de São Paulo.
Nessas coisas, não há meio-termo. Ou você repudia o fascismo ou dá piscadela pra ele. Eu repudio.
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