Li a liminar de Toffoli e agora discordo ainda mais de sua decisão sobre a EBC

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 03/06/2016 12h02
Brasília - Jornalista Ricardo Melo toma posse no cargo de diretor-presidente da Empresa Brasil de Comunicação - EBC (Juca Varella/Agência Brasil) Juca Varella/Agência Brasil Jornalista Ricardo Melo toma posse no cargo de diretor-presidente da Empresa Brasil de Comunicação

Se você quiser ler a íntegra da decisão de Dias Toffoli, que concedeu liminar garantindo o retorno de Ricardo Melo à presidência da EBC, clique aqui. Como se sabe, ele havia sido demitido pelo presidente da República, mas foi reintegrado em resposta do ministro a um mandado de segurança. Dias antes de ser afastada, Dilma havia nomeado Melo para o comando da EBC.

Acho que Toffoli errou.

Não tenho tido razões para desconfiar da isenção do ministro em seus votos, mas é evidente que discordo dele nesse caso e já deixei claro por quê. Noto, inclusive, que um dos pontos a orientar o seu voto são as regras válidas para as agências reguladoras. Ocorre que a EBC é uma empresa pública, não uma agência. Aliás, fosse, seus dirigentes teriam de ser aprovados pelo Senado.

Mais: como o ministro explica que um presidente possa NOMEAR — E NÃO APENAS INDICAR — alguém que não pode ser demitido?

Destaco aqui os dois pontos que me parecem especialmente frágeis na liminar concedida ao mandado de segurança impetrado por Melo. Leiam:

Ponto um
“Se é certo que a autonomia de gestão é um imperativo às agências reguladoras, não menos certo é que não lhe é atributo exclusivo. De igual modo, se é certo que as empresas públicas, como entidades de direito privado da Administração Indireta, são em regra constituídas por Diretoria demissível ad nutum, não menos exato é que a Administração Pública não possui engessamento normativo que lhe impeça de atribuir, por lei, certas características típicas de entes de direito público a entes de direito privado, quando condições particulares assim o justifiquem.”
(…)

Há aí, entendo eu, um erro importante, além da comparação indevida com agências reguladoras. Toffoli diz: em regra, as empresas como a EBC são comandadas por pessoas que podem ser demitidas “ad nutum” — isto é, por vontade de uma das partes. É verdade! Mas emenda ele: não é proibido que lei crie particularidades.

Eis aí minha discordância. A Constituição diz que lei específica vai regular esses aspectos. Ocorre que, obviamente, há de ser uma lei geral para todas as empresas públicas — ou cada uma teria autonomia para fazer a sua?

Mais: nas questões de natureza pública, envolvendo órgãos e funcionários do estado, faz-se apenas o que a lei manda, não o que lei não proíbe.

Ponto dois
Escreve o ministro:
“No caso dos autos, parece-me que a intenção do legislador foi exatamente a de garantir certa autonomia ao corpo diretivo da EBC, o que se apresenta, em meu juízo precário, consentâneo com a posição da Empresa Brasileira de Comunicação, que tem por finalidade a prestação de serviços de radiodifusão pública, sob determinados princípios, dos quais destaco ‘autonomia em relação ao Governo Federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão” (art. 2º, VIII, da Lei nº 11.652/08 e art. 2º, VIII, do Decreto nº 6.689/08).’

Pois é… A EBC não tem essa “autonomia” editorial — e basta que se vejam alguns programas da TV Brasil para constatar que jornalistas contratados a peso de ouro estão na emissora apenas para puxar o saco do petismo. A empresa está sendo usada para remunerar alguns pistoleiros a serviço do partido.

Ainda que se quisesse deixar essa questão pra lá porque implicaria entrar num acalorado debate sobre a tal independência, em que há divergência de valores, o que me parece contar, de forma definitiva, é o fato de que não podemos ter uma lei específica para cada empresa pública. Sendo assim, é evidente que a decisão está com o presidente da República e que a lei que regula a EBC fere a Constituição.

Isso não quer dizer que eu ache que o governo se comportou da melhor maneira no episódio. Penso que deveria ter sido mais hábil e cuidadoso, mas tal reserva não torna correta, a meu ver, a decisão de Toffoli.

Se a moda pega, cada ente público terá a sua própria lei e seu presidente, imunes à ordem democrática.

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