Mendes vota pela descriminação do porte de drogas para uso próprio

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 21/08/2015 14h04
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Antonio Cruz/Agência Brasil Antonio Cruz/Agência Brasil Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes

Uma das besteiras que se dizem por aí é que sempre concordo com o voto do ministro Gilmar Mendes. O arquivo existe para provar que não é verdade. E, desta feita, mais uma discordância entra no elenco — embora seja mentira que o voto dado pelo ministro nesta quinta sobre a questão da descriminação das drogas esteja em linha com o que pretendem os militantes da causa da descriminação propriamente ou da legalização. Vamos lá.

Nesta quinta, Mendes, que é relator do Recurso Extraordinário (RE) 635659, votou pela inconstitucionalidade do Artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), que define como crime o porte, apenas para uso pessoal, dessas substâncias. Para o ministro, a criminalização estigmatiza o usuário e dificulta medidas de prevenção e de redução de danos. Trata-se, avalia, de uma punição desproporcional do usuário, que não colabora para o combate às drogas, além de violar o direito à personalidade.

Em seu voto, o ministro declarou a inconstitucionalidade do Artigo 28, sem redução de texto. O que isso quer dizer? Na esfera cível e administrativa, a lei continua como está, e o usuário de drogas continua sujeito, por exemplo, a advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento em curso educativo. Mas isso tudo sem efeito penal. Em suma: o porte de drogas para consumo deixa de ser uma questão de polícia.

Vamos lá. Não considero que a definição do porte como crime seja inconstitucional. Viver em sociedade supõe limites — e acho que o regime democrático não sai maculado ao considerar crime mesmo o porte, embora, vamos ser claros, por si, ele praticamente não implique pena nenhuma. Consulte o Artigo 28 da Lei 11.343.

Mas qual é a ação prática que propõe Mendes? Que o portador da droga seja imediatamente levado a um juiz. Será este, não a polícia, a definir se é posse para consumo ou tráfico, que, no voto do ministro, continua sujeito à sanção penal. Isso não muda.

É o que querem os militantes?
Não! Poucos temas mobilizam militância tão entusiasmada como a liberação das drogas. A questão une, inclusive, extremos ideológicos: ultraliberais e esquerdistas tendem, nesse particular, a defender pontos de vista muito próximos.

O voto de Mendes está longe do que querem os militantes. Sua palavra de ordem é a distinção clara, na lei — com definição de quantidade da substância —, entre consumo e tráfico. Trata-se de uma trapaça intelectual. Isso seria um passo em direção não à descriminação do consumo, mas à legalização das drogas. Na base dessa proposição, está a inferência absurda de que, se a repressão, até agora, não acabou com o tráfico, que tal tentar o contrário? Nem a epidemia do crack, com seus efeitos trágicos Brasil afora, convenceu essa gente de que precisamos de menos drogas circulando, não de mais.

E esta é a razão central por que não endosso o voto de Mendes, embora fique muito claro que ele se opõe à legalização: acho que essa concepção, se vitoriosa, acabará contribuindo para que mais droga circule, não menos.

A minha tese nessa área é a do Projeto de Lei 7.663/2010, do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), que propõe:
– a definição clara das esferas de competência de cada um dos três entes da federação: municípios, estados, união;
– endurece a pena para traficantes;
– distingue as drogas de maior risco daquelas de menor risco;
– inclui as comunidades terapêuticas na rede de atendimento público;
– define as circunstâncias das internações voluntária, involuntária e compulsória.

O texto de Osmar Terra não muda o que está na lei atual, que já não prevê pena de prisão para usuários.

A síntese
– Sou favorável a que mesmo o porte continue a ser considerado crime;
– a lei atual já não prevê prisão para simples consumidores;
– Mendes não está votando a favor da liberação das drogas;
– o ministro não cede ao lobby dos militantes, que gostariam que a lei definisse a quantidade que caracteriza consumo e tráfico;
– a lei continua inalterada na sua dimensão cível e administrativa;
– o ministro avalia que apenas um juiz pode fazer a distinção entre consumo e tráfico, que continua sujeito à sanção penal.

Assim, a mudança mais importante no voto de Mendes, caso triunfe, é que o porte de drogas para consumo deixa de ser um caso da polícia e passa a ser um caso da Justiça.

Evidentemente, os militantes profissionais da causa tomarão a decisão como um passo a mais rumo àquilo que pretendem, que é a legalização. Também por isso eu me oponho ao voto. Há dezenas de outros aspectos associados ao tema que tratarei em outros comentários.

O mais novo membro da corte, Luiz Edson Fachin pediu vista. Não há prazo para o julgamento ser retomado.

Por Reinaldo Azevedo

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