Na era da pós-verdade, segue o debate absurdo sobre o nada: anistia ao caixa 2

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 21/11/2016 08h35
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Brasília - Entrevista com o deputado Onyx Lorenzoni, durante a votação do Impeachment da presidente Dilma Rousseff (Valter Campanato/Agência Brasil) Valter Campanato/Agência Brasil Onyx Lorenzoni

A Oxford Dictionaries elegeu a palavra do ano: “post-truth”. Ou “pós-verdade”. O que vem é a ser? É aquela “não-verdade” que se consolida nas redes sociais — e, acrescentaria eu, também na imprensa, infelizmente — e que não está assentada em fatos objetivos, mas em correntes de opinião, na convicção de grupos influentes. Assim, a verdade — aquilo que, afinal de contas, acontece ou aconteceu — está perdendo importância no debate político. No lugar, entra o que se torna influente nas redes sociais.

A palavra foi bastante evocada agora para explicar a vitória de Donald Trump nos EUA. Seus partidários teriam feito um trabalho eficiente ao espalhar “pós-verdades” nas redes sociais. A esquerda americana só se esquece de dizer que fez a mesma coisa. Só que perdeu a batalha estratégica. Enquanto os democratas se preocuparam em fazer a maioria do eleitorado, os republicanos buscaram fazer a maioria do Colégio Eleitoral. Vamos pensar a questão da pós-verdade em solo pátrio.

Ninguém tem sido tão eficaz entre nós em espalhar pós-verdades como o Ministério Público Federal. Mais do que consolidar versões dos fatos, seus bravos rapazes têm se dedicado também a demonizar aqueles que não rezam segundo a sua cartilha. Os exemplos vão se multiplicando. Trato, de novo, da mais óbvia de todas as pós-verdades: a anistia ao caixa dois.

Se a proposta relatada pelo deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) for aprovada pelo Congresso, caixa dois passa a ser crime, vira um tipo penal, transforma-se numa conduta típica. Não! A lei não poderá retroagir para punir os que fizeram caixa dois antes de o texto entrar em vigor porque lei penal não retroage para punir, apenas para beneficiar. Não é questão de vontade. É o que prevê o Inciso LIX do Artigo 5º da Constituição, que é cláusula pétrea.

Não depende da vontade do MPF, dos parlamentares, da minha ou da de vocês fazer a lei voltar atrás para punir. Não pode! Fim de papo. Afirmar que isso é anistia ao caixa dois é uma bobagem, uma burrice, uma boçalidade. Como é que se vai anistiar o que não era crime? Alguém pode dizer o que é uma anistia ao não-crime?

A outra possibilidade é simplesmente um delírio. Haveria deputados — mas, até agora, ninguém se apresenta — dispostos a criar um destaque na votação do projeto de lei assegurando que, àqueles que forem acusados de caixa dois, não se poderiam fazer imputações como corrupção passiva, corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro…

Um simples curioso na área do direito pode concluir que se trata de uma estupidez. Não precisa nem mesmo do concurso de um especialista. Será mesmo que, se isso for parar em lei, os procuradores da Lava Jato estariam impedidos de acusar um parlamentar de corrupção passiva e peculato se ficar demonstrado que o dinheiro do caixa dois da campanha teve origem numa safadeza praticada na Petrobras?

Os políticos podem escrever no destaque a maluquice que lhes der na telha, e a questão não terá o menor efeito prático. Como não teve durante o mensalão. Arnaldo Malheiros tentou emplacar a tese de que era tudo caixa dois. E houve condenações em penca por lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, peculato, formação de quadrilha…

Quando o MP, com o apoio de setores da imprensa, de lobistas e de alguns movimentos insiste na tese de que a impossibilidade de a lei recuar é “anistia ao caixa dois”, o que se tem é a demonização da política e dos políticos em desfavor do país. Sou favorável à criminalização do caixa dois e acho que é um avanço importante. Ocorre que esse processo está sendo tisnado por um debate sobre o impossível.

O MP sabe que a lei não poderá retroagir. Sabe, igualmente, que é uma impossibilidade jurídica votar um texto que impeça os políticos ou quaisquer outros de responder por eventuais crimes que estavam associados ao caixa dois. Mas sabe também que será preciso provar, por exemplo, a natureza criminosa do dinheiro que fez o caixa dois se a intenção for acusar este ou aquele de corrupção passiva ou ativa, peculato ou lavagem de dinheiro.

Nem conseguirão os parlamentares a anistia prévia NÃO AO CAIXA DOIS, MAS ÀQUELES DEMAIS CRIMES, nem conseguirá o MPF transformar o caixa dois, que tipo penal não era, em sinônimo de outros crimes.

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