Nicolás Maduro sabe enrolar quando está acossado

  • Por Caio Blinder/Jovem Pan Nova Iorque
  • 26/10/2016 09h54

Nicolás Maduro discursa em protesto a favor de seu governo em Caracas

EFE/Cristian Hernández Nicolás Maduro discursa em protesto a favor de seu governo em Caracas - EFE

O jornalismo tem suas velhas malandragens, pelo menos dos meus tempos de editor de jornal-papel. Num domingão preguiçoso de notícias, a gente sempre podia contar com o papa e sua missa na Praça de São Pedro. A manchete do P estava empacotada: “Papa apela pela paz”.

Sim, este é o papel do papa. Não no domingo da missa, mas na segunda-feira veio o anúncio da mediação de Francisco na crise venezuelana, depois de seu encontro inesperado com o presidente Nicolás Maduro no Vaticano. Mas, na expressão do jornal espanhol El País, o diálogo naufragou mesmo antes de começar. 

A ideia inicial era de uma primeira reunião no próximo domingo entre representantes do governo chavista e da Mesa de Unidade Democrática, a coligação de oposição, sob mediação do Vaticano e daquela organismo chamado Unasul.

A precipitada intervenção papal foi deslanchada em um momento de muita fervura na crise. Na semana passada, os apaniguados do regime ditatorial no Tribunal Superior Eleitoral suspenderam o referendo revogatório contra Maduro. Em condições transparentes, o voto por sua remoção seria de lavada. A oposição que controla a atrofiada Assembleia Nacional acusa o regime de golpista e promete o julgamento de Maduro. No ar, paira a ameaça de guerra civil.

A situação pode degringolar e o papa está na dele (sempre apela pela paz), mas toda cautela é pouca. O regime chavista pode ter algumas alas mais inteligentes e oportunistas. Sabem que a farra acabou e o melhor negócio para gente corrupta ou sensata é aceitar uma transição com a oposição.

Maduro carece da sagacidade do mentor Hugo Chávez e resiste. No entanto, tem o mínimo de habilidade para saber enrolar quando está tão acossado. Interessa a ele fingir negociar por alguns motivos básicos: uma negociação pode servir para esvaziar um pouco a mobilização da oposição, que promete para esta quarta-feira uma grande marcha em Caracas. Ademais, o aceno conciliatório pode dividir a oposição.

No entanto, a oposição preserva a determinação e não caiu na armadilha. Safou-se desferindo alguns tuítes. Basta ver que alguns dos líderes mais influentes da Mesa de Unidade Democrática, inclusive moderados como Henrique Capriles, distanciaram-se deste novo ensaio de negociação. Capriles insiste que a campanha pelo refererendo prossegue e nesta quarta-feira tem marcha em Caracas. Líderes mais radicais, como Maria Corina Machado, foram diretamente ao ponto: “De novo, outro diálogo para salvar Maduro”?

Nada errado em negociar desde que sejam os termos do fim do ditatorial regime chavista, medidas para impedir o colapso do país e obviamente para mitigar a crise humanitária.

Nada errado com a mediação do papa para impedir uma guerra civil, mas a oposição tem razão quando coloca suas condições para negociar: respeito ao direito ao voto; liberdade para os presos políticos e regresso dos exilados; atenção às vítimas da crise humanitária e respeito à autonomia dos poderes.

O resto é enrolação.

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