Nota de associação de magistrados contra Mendes transforma o mocinho em bandido da história

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 25/08/2016 07h56
Carlos Humberto/SCO/STF Ministro Gilmar Mendes

Desastrosa. Indigna. Difamante. E também mentirosa. Esses são alguns dos adjetivos que me ocorrem para qualificar uma nota publicada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) contra o ministro Gilmar Mendes, do STF.

O texto é assinado pelo juiz João Ricardo Costa, presidente da entidade. São tantos e tão graves os equívocos, que a gente quase não consegue hierarquizar as críticas.

Antes, uma síntese do estupefaciente (mais um!) documento. A entidade afirma ser “lamentável que um ministro do STF, em período de grave crise no país, milite contra as investigações da Operação Lava Jato, com a intenção de decretar o seu fim”.

A nota rebate ainda a declaração de Mendes, que chamou de “pequeno assalto” o pleito dos juízes por aumento salarial. A associação ainda critica o ministro por este defender a doação legal de empresas privadas a campanhas e por, dizem os doutores, “buscar descredibilizar as propostas anticorrupção que tramitam no Congresso Nacional, ao invés de colaborar para o seu aprimoramento”.

A AMB ainda diz que é a favor de “outro conceito de magistratura, que não antecipa julgamento de processo, que não adota orientação partidária, que não exerce atividades empresariais, que respeita as instituições e, principalmente, que recebe somente remuneração oriunda do Estado”.

Lava-Jato
É preciso saber se a AMB está brava com Mendes porque este se opôs ao aumento dos juízes — inclusive aos membros do Supremo — ou se discorda de opiniões que o ministro emitiu que não estão relacionadas à categoria. Ainda que seja pelas duas coisas, não fica bem misturar alhos com bugalhos.

Em segundo lugar, mas não menos importante, é uma infâmia dizer que está querendo acabar com a Lava-Jato justamente aquele que se opõe ao fim da delação de Léo Pinheiro, decretado por Rodrigo Janot. E os juízes silenciaram a respeito. Adivinhem se Lula e Dilma, por exemplo, apoiam a opinião de Mendes ou de Janot. Ou ainda: qual das duas posturas agrada aos bandidos?

Financiamento privado
A segunda questão gravíssima na qual toca a AMB é a doação legal de empresas privadas a campanha. Ora, é quase um consenso que as eleições nunca estiveram tão expostas ao crime organizado como hoje. A proibição só estimula a doação pelo caixa dois e a entrada de dinheiro sujo na disputa.

Demonizar um ministro porque defende tese oposta à da AMB é um absurdo sem par.

Me dá um dinheiro aí
Mendes criticou a elevação do teto do salário do funcionalismo, que salta de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil — esse passaria a ser o salario dos ministros do Supremo. É evidente que essa não é a melhor hora para debater esse tema — não com um país quebrado.

A associação tem o direito de não gostar, mas não de difamar. A nota defende um juiz que receba “somente remuneração do Estado”. Fica a sugestão de que o ministro tem alguma fonte escusa de renda. Mendes é sócio fundador do Instituto Brasiliense de Direito Público, do qual é professor — conforme permite a lei. Não exerce cargo de direção na instituição.

Juízes não podem sugerir ilegalidade ou incorreção onde não há. Em sua ida o Senado, Mendes defendeu que se defina o salário de juízes, sem penduricalhos, como auxílio-isso e auxílio-aquilo.

Combate à corrupção
Quanto a crítica a propostas que combatem a corrupção, dizer o quê? O ministro já chamou de malfeita a Lei da Ficha Limpa. E é mesmo — e isso não implica condescender com a lambança. E atacou duramente a proposta do MP de se admitirem provas ilícitas num julgamento, desde que colhidas de boa-fé.

Eu convido o doutor João Ricardo Costa a escrever um texto teórico defendendo a higidez legal, moral e ética das provas colhidas de maneira ilegal.

Essa é certamente a nota mais infeliz da história da AMB.

Ah, sim: contam-me que o PCC também é contra a doação de empresas a campanhas eleitorais. É o que se chama “uma questão de mercado”.

Convido a AMB a mudar de companhia, ainda que involuntária, é evidente.

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