O Senado, a união estável entre homossexuais e debate dos xucros

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 09/03/2017 10h51
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Edilson Rodrigues/Agência Senado Marta Suplicy durante reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que aprovou a união civil homoafetiva

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado está de parabéns por ter aprovado, por 17 votos e uma abstenção, projeto da senadora Marta Suplicy (PMDB-SP) que permite a união estável de pessoas do mesmo sexo, com posterior conversão, a ser vontade da dupla, dessa união em casamento.

Ouça o comentário completo AQUI.

Aí a extrema direita que ronca e fuça reage com seus toucinhos mentais: “Mudou de opinião, Reinaldo Azevedo?”. Não! Recorram ao arquivo. Sempre fui favorável. Eu me opus, aí sim, em 2011, à decisão do Supremo que igualou as uniões civis homo e heterossexuais. E me opus por quê?

Por causa do Parágrafo 3º do Artigo 226 da Constituição, que estabelece: “§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

Muito bem! Se o texto constitucional diz que tal união se dá entre homem e mulher, não pode ser o Supremo a entender outra coisa, contra o texto explícito da Carta. A desculpa? A discriminação feriria o Artigo 5º da Carta já desde o caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

Bem, meus caros, o caminho, então, era uma emenda constitucional, que teria tido meu integral apoio. Não me conformei com o andamento técnico. Havia tanto uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) como uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade). A primeira tinha como alvo dispositivos do Estatuto do Funcionalismo do Rio, que impedia a união; o alvo da segunda era justamente o Artigo 1.723 do Código Civil, que estabelece que a união civil se dá entre homem e mulher.

Muito bem! O relator do caso foi o ministro Ayres Britto, que fez com que a ADI subsumisse a ADPF porque o primeiro instrumento é mais amplo. Ele abusou dos truques retóricos, mas ganhou a parada. Apontou que esses códigos menores feriam o tal princípio da igualdade perante e a lei e os submeteu, ora vejam, a uma “interpretação conforme a Constituição”.

Mas esperem, se for “conforme a Constituição”, o que se faz do Parágrafo 3º do Artigo 226? Tal trecho deixou de ser Constituição? Britto fingiu ter enfrentado a questão de que modo? Disse que essa especificação “homem/mulher” era de menor importância na Carta e no próprio artigo. A íntegra da decisão está aqui. O triplo salto carpado argumentativo está no item 27, página 29.

Confusão
Os tontos que hoje me atacam em razão do meu “legalismo” em relação à Lava Jato ou a qualquer outra coisa, deveriam ficar atentos ao que afirmei então. Eu não queria era o Supremo legislando. Achei que isso abriria as portas para outras intervenções indevidas. E, vamos ser claros, abriu. Ali, infelizmente, o tribunal começava a legislar, iniciando a trilha perigosa, na qual ministros tomam decisões contrárias às leis e ao texto constitucional.

A propósito: o advogado da causa foi Roberto Barroso. Agora ele é ministro do Supremo. Nessa nova condição, ele não se constrangeu em declarar que o aborto até o terceiro mês de gestação não é crime. Ao fazê-lo, ignora a Constituição e o Código Penal. Qual é a sua justificativa? A proibição do aborto feriria os direitos reprodutivos da mulher. Ele pode achar o que quiser. Não pode é tentar mudar a Constituição.

De volta ao ponto
De acordo com o projeto aprovado em caráter terminativo na CCJ (não precisa ir a plenário), os trechos das leis que tratarem de “união civil de homem e mulher” serão substituídos por “duas pessoas ou cônjuges”.

É claro que sou favorável. Aliás, desde que me posicionei a respeito, em 2011 — há seis anos! —, não só me declarei a favor da união civil como da adoção de crianças por pares gays, desde que cumpridas as exigências as mais rigorosas, que devem valer também para heterossexuais.

Em 2011, os movimentos gays de esquerda — é curioso: comunistas e socialistas sempre perseguiram homossexuais — tentaram colar em mim a pecha de “homofóbico”, ignorando a minha real restrição e a minha opinião sobre a união civil em si e a adoção.  Era parte da campanha que os petralhas, gays ou não, moviam contra Reinaldo Azevedo — o mesmo legalista que hoje aponta algumas ilegalidades na Lava Jato e, como sabem, toma porrada por isso. Daqui a pouco vão dizer que sou “Morofóbico” ou “lavajatofóbico”.

Entendo que, numa democracia, a principal missão de um liberal é zelar pelo arcabouço legal, o que defino como “conservar as instituições”. Ah, então nada muda nas leis, embora a realidade mude? Ora, é claro que as reformas têm de acontecer, mas segundo as regras previstas para a própria mudança.

Nestes tempos em que hordas ficam gritando impropérios na Internet; nestes tempos em que o mercado comprador e vendedor de opinião anda frenético; nestes tempos em que lobbies se disfarçam de militância; nestes tempos em que se recorre aos piores instrumentos da velha política para gritar contra a velha política, um liberal falar em conservação de instituições soa, com efeito, exótico.

Ah, sim! Depois de mais uma votação na CCJ, a proposta segue para a Câmara. Leio algo assim: “Ali a coisa é mais difícil porque a Casa é mais conservadora”.

Com a devida vênia: a decisão do Supremo já está tomada. Não haverá recuo na questão da igualdade da união civil. Agora, trata-se apenas de adequar as leis à interpretação que o Supremo deu à Constituição.

Resistir a isso, vamos ser claros, nada tem a ver com “conservadorismo”. Aí será mesmo expressão de burrice, reacionarismo ou de preconceito contra homossexuais. Reitero: é evidente que as pessoas podem ser contra o mérito mesmo da coisa por motivos de convicção pessoal ou crença religiosa.

Ocorre que tal questão está vencida. Agora, cumpre ao legislador não tentar criar dificuldades adicionais à vida de cidadãos livres.

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