Obama passa para Merkel a tocha de guardiã da ordem liberal global

Em 2008, Barack Obama se apresentou ao mundo numa apoteose de roqueiro em Berlim (três meses antes de sua eleição), falando da queda de muros e das benesses da globalização.
O presidente americano agora retornou a Berlim para um final de tour, nada apoteótico, para se reunir com sua grande comparsa internacional, Angela Merkel, com recados de alerta sobre os muros, protecionismo comercial, tribalismo e Vladimir Putin, mas também de resignação ao choque Trump.
Sobrou para a primeira-ministra alemã. Barack Obama passa para Angela Merkel a tocha de guardiã da ordem liberal global, com seus preceitos de livre comércio e democracia. A velha ordem está frágil e sua nova guardiã também. A tocha serve para guiar o caminho minado, mas não pode iluminar demais para não atiçar a fera Trump.
Já comentei aqui esta semana que Angela Merkel reconheceu o desafio. Em carta a Trump, ela prometeu trabalho conjunto com base nos valores democráticos comuns. Trata-se de um recado condicional sem precedentes do parceiro júnior, embora poderoso, da aliança ocidental, à superpotência.
Obama quer acreditar que Trump não irá cumprir bravatas de campanha sobre rebaixar a Otan, a aliança militar ocidental, e consumar o flerte com Vladimir Putin para algo mais sério. Merkel está consciente de sua responsabilidade agora que sua favorita na eleição americana, Hillary Clinton, ficou sem tocha na mão.
No entanto, a primeira-ministrao alemã também reconhece seus limites. Política cautelosa, ela se revelou audaciosa no ano passado quando decidiu acolher um milhão de refugiados no país. Pagou por este preço generoso e precisou recuar quando não teve apoio de outros países europeus para aceitar refugiados. Trump não perdoou e castigou a primeira-ministra alemã na sua campanha eleitoral. Não hesitou em rotular frau Merkel de fraca.
Ironicamente, Merkel atua de forma vigorosa no cenário global como nenhum antecessor no pós-guerra, mas nem todos no país são favoráveis a este protagonismo, a este papel de ponta em defesa do globalismo. Merkel é acossada dentro do seu próprio bloco democrata-cristão e de forma mais agressiva pela extrema direita, a Alternativa para a Alemanha, que como outros partidos populistas e contra imigrantes na Europa, está animada com a vitória do companheiro Donald Trump.
Nada fácil a vida da Angela. Pressão dentro de casa, um projeto europeu cada vez mais frágil, o bully na frente russa (Putin, obviamente) e o novo bully na frente oeste (Mr. Trump). Tantas pressões exigem sangue frio e jogo de cintura. Ela pode carregar o bastão de líder da ordem liberal global, mas Trump agora é o líder do mundo ocidental. Angela Merkel precisa se acomodar à nova realidade.
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