Pingo Final: Até Janot puxa a orelha de Dallagnol e Carlos Fernando por atrevimento de dar ultimato ao presidente da República e Congresso
A ameaça feita pelos procuradores Deltan Dallagnol e Carlos Fernando de renúncia de toda a força-tarefa caso o presidente Michel Temer não faça o que eles exigem foi de tal sorte absurda que até Rodrigo Janot, o procurador-geral da República, que anda flertando com o baguncismo institucional, achou demais. Em entrevista à Folha, ele atribui a fala a uma “reação de cabeça quente”. E recomendou: “A resposta tem que ser institucional e profissional”. Logo, fica claro que a milésima entrevista coletiva da turma não foi nem institucional nem profissional. Eu já desconfiava.
Janot, claro, não se furta, ele também, de sair distribuindo críticas ao Congresso, que é coisa que absolutamente não deveria fazer, mas se percebe, na sublinha de sua fala, que os seus bravos soldados foram muito além do limite. Para um Ministério Público Federal que já se comportou como legislador, que já atuou como bedel, que concede entrevistas coletivas com frequência assombrosa, que faz convocações para manifestações de rua, que hostiliza abertamente o Congresso… Para um Ministério Público Federal que faz tudo isso, dar um ultimato ao presidente da República pode até ser coerente, não é?, mas não deixa de ser espantoso.
Não que Janot também não diga bobagens. Querem uma? Leiam isto:
“Eu fico estupefato no sentido de que a Câmara não tenha tido a sensibilidade de entender o momento histórico do país. Poderíamos ter dado um passo gigantesco no nosso processo civilizatório no que se refere ao combate à corrupção e ao crime organizado. Eu fico assustado de ver que esse momento não foi percebido. O Brasil resolveu fazer um ponto e vírgula e engatar uma marcha ré no combate à corrupção.”
Estupefatos devem ficar aqueles que não perderam ainda a capacidade raciocinar. Ainda que Janot e seus rapazes não gostem da possibilidade de juízes e membros do MP serem processados por crime de responsabilidade, é evidente que o projeto aprovado na Câmara, se virasse lei, implicaria um avanço no combate à corrupção. Ou não está lá a criminalização do caixa dois? Ou não estamos experimentando os efeitos na Lava-Jato na vida pública, ainda que segundo as leis que aí estão? Para que tivesse havido uma ré, seria preciso que o Congresso tivesse descriminalizado condutas viciosas, o que não aconteceu. Deu-se justamente o contrário.
Numa das respostas, Janot mistura alhos com bugalhos. O repórter pergunta: “A questão da punição de juízes e procuradores é o que mais incomoda o senhor?” E ele responde:
“Eu, enquanto cidadão e servidor público, quero uma lei de abuso de autoridade. Duvido que algum membro do Ministério Público não queira essa lei. Agora, a forma atropelada como tem sido conduzida a discussão levanta no mínimo alguma suspeita. Por que essa pressa toda? Por que uma lei que é de 1965, cuja modificação chegou ao Congresso em 2009, e ali estava parada desde então, de repente aparece no Senado com essa pressa toda para ser apreciada com falhas inegáveis?”
Infelizmente, Janot faz confusão. Uma coisa é o projeto da Câmara, que define crime de responsabilidade para juízes e membros do MP. Outra, distinta, é o projeto que muda a lei de abuso de autoridade. O procurador-geral não é burro, e, infelizmente, suspeito que essa confusão seja deliberada. Observação à margem: tudo o que o doutor fala sobre o texto que trata do abuso de autoridade prova que não é retaliação. Afinal, ele é de 2009. Por que não pode ser apresentado agora? Afinal, o projeto pune abuso de autoridade, não exercício de autoridade.
O procurador, no entanto, insiste que o texto em debate cria o que chama de “crime de hermenêutica”, de mera interpretação. Li o documento e não encontrei nada nesse gênero. Bem, que ele seja, então, mais específico. Janot esta na China. Mesmo assim emitiu uma nota sobre a votação na Câmara. Segundo ele próprio, deu a seguinte recomendação aos procuradores: “que todos os colegas concentrem esforços no seu trabalho de maneira objetiva e profissional, sem ideologia, e que toquem para frente todas suas investigações e seus processos. Essa é a resposta. A resposta tem que ser institucional e profissional.”
Que assim seja. Sem ultimatos. Sem ideologia.
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