Pingo Final: Cerveró diz que Dilma mentiu sobre Pasadena: “Ela sabia de tudo”
Vamos lá. Além dos fatos, é preciso que a gente entenda as coisas, né? Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras que está preso desde novembro de 2015 e que fez acordo de delação premiada, acusa a presidente Dilma de ter mentido sobre a compra da refinaria de Pasadena. Que importância isso tem no impeachment, por exemplo? Do ponto de vista formal, nenhuma. Explico tudo. Antes, uma rápida memória.
Em 2006, a Petrobras comprou 50% de uma refinaria em Pasadena, nos EUA, que pertencia ao grupo belga Astra Oil. Em 2008, em razão de injunções legais, teve de comprar os outros 50%. Segundo o Tribunal de Contas da União, a estrovenga resultou num prejuízo para a estatal de US$ 792 milhões.
Dilma era a presidente do Conselho. Alegou que Cerveró, que comandou a aquisição, omitiu dados sobre o contrato. Pois é… Ele nega. Afirma que a então ministra da Casa Civil sabia de tudo.
Em seu depoimento, Cerveró diz “que Dilma Rousseff tinha todas as informações sobre a refinaria de Pasadena; que o Conselho de Administração não aprova temas com base em resumo executivo; que o projeto foi aprovado na Diretoria Executiva da Petrobras numa quinta, e, na sexta, o projeto foi aprovado no Conselho de Administração; que esse procedimento não era usual”.
Cerveró afirmou ainda supor que a agora Afastada soubesse “que políticos do Partido dos Trabalhadores recebiam propina oriunda da Petrobras”, mas nunca tratou do assunto com ela.
Vamos lá
Essa história de Pasadena ilustra de maneira exemplar a irresponsabilidade que tomou conta da Petrobras. E por que Dilma não pode, por enquanto, responder pelo descalabro, ainda que realmente tenha mentido?
Vamos lá. Estabelece o Parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição:
“§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.”
A interpretação que a Procuradoria-Geral da República e parte do Supremo fazem de tal trecho da Constituição é a mais absurda possível. Toma-se o termo “estranhos” como tudo aquilo que o chefe do Executivo fez antes de ser presidente.
É por isso, por exemplo, que o processo de impeachment só leva em conta as pedaladas e créditos suplementares decididos por Dilma a partir de 2015. As malandragens contábeis feitas entre 2011 e 2014 são consideradas “estranhas a suas funções” porque dadas no mandato anterior. É uma piada! Ora, todo mundo sabe que Dilma pedalou, inclusive, para se reeleger. Logo, os crimes do primeiro mandato não são “estranhos à sua função” de agora. Em certa medida, eles são “causa” de tal função.
Quando Pasadena foi comprada, Dilma ainda não era presidente da República. No entanto, pergunto: a lambança, tornada viável por Cerveró, é estranha às atuais funções de Dilma? A resposta óbvia: não, né?! Não quando há um petrolão! Não quando nos lembramos de que Cerveró foi, e ele próprio admite, premiado com um emprego na BR Distribuidora em razão dos serviços ilegais prestados ao PT e à quadrilha. E está preso também por isso.
Felizmente, a reeleição vai acabar. Espero, na verdade, que o presidencialismo chegue ao fim. A leitura que Procuradoria-Geral da República e ministros fazem do tal Parágrafo 4º do Artigo 86 se torna ainda mais exótica se nos lembrarmos de que tal dispositivo foi aprovado em 1988, quando não havia reeleição no país. Ora, a partir de 1997, com a possibilidade da recondução ao cargo do chefe do Executivo, é claro que a interpretação deveria ser outra.
Não, Pasadena não estará em julgamento no Senado, infelizmente. Mas que os senadores não se esqueçam dela.
Noto: quando não for mais presidente, Dilma poderá, sim, ser responsabilizada por eventuais ilegalidades praticadas no passado.
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