Pingo Final: Michel Temer, populismo e impopularidade. Maquiavel, amor e temor

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 10/03/2017 11h28
Reprodução Michel Temer e Maquiavel - REP

O presidente Michel Temer concedeu uma entrevista à revista inglesa “The Economist”. Ganhou corpo no  noticiário nacional uma frase: “Prefiro ser impopular a ser populista”.

Vou ter de falar de Maquiavel.

Ô, querido leitor, há coisas que a gente sabe porque leu — e isso, a partir de certa idade, vira obrigação a depender do que você faça — ou se é apenas um obscurantista progressivamente cretino, hoje mais do que ontem e menos do que amanhã.

Passada a adolescência, o cérebro já perdeu o, vamos dizer, excesso de massa cinzenta (e isso é bom!), e cresce a branca, onde as conexões neuronais são mais extensas e mais eficientes. Já dá para ler o florentino.

Antes que siga, uma consideração que já fiz aqui no dia 9 de setembro de 2015 — afinal, sou uma pessoa antiga.

Essa história de que Maquiavel dava bons conselhos não é verdade… Pode-se apreciar o seu realismo, mas não se pode condescender, quando se é decente, com o cinismo de suas postulações. A única lição virtuosa que há em “O Príncipe”, quando não se é o príncipe, é, pois, o apreço à realidade.

O fato de o autor ser um antídoto e tanto contra o idealismo tolo não faz dele um bom guia moral. De resto, há por aí muitas inteligências em busca de um caráter e muita gente de bom caráter em busca de uma inteligência. O que é melhor? O talento amoral ou a estupidez generosa? Nem uma coisa nem outra. O talento amoral emburrece fatalmente. A estupidez generosa nunca fica mais inteligente.

Temido ou amado?
Uma das máximas mais citadas de “O Príncipe” está no capítulo XVII. Trata-se da famosa indagação: a um príncipe, a um governante, o que é mais conveniente? Ser amado ou ser temido? Caso você não leia o trecho que segue, a resposta é esta: ser temido.

Que fale o autor:
“O príncipe, contudo, deve ser lento no crer e no agir, não se alarmar por si mesmo e proceder por forma equilibrada, com prudência e humanidade, buscando evitar que a excessiva confiança o torne incauto e a demasiada desconfiança o faça intolerável.

Nasce daí uma questão: se é melhor ser amado que temido ou o contrário.

A resposta é de que seria necessário ser uma coisa e outra; mas, como é difícil reuni-las, em tendo que faltar uma das duas, é muito mais seguro ser temido do que amado. Isso porque dos homens pode-se dizer, geralmente, que são ingratos, volúveis, simuladores, tementes do perigo, ambiciosos de ganho; e, enquanto lhes fizeres bem, são todos teus, oferecem-te o próprio sangue, os bens, a vida, os filhos, desde que, como se disse acima, a necessidade esteja longe de ti; quando esta se avizinha, porém, revoltam-se. E o príncipe que confiou inteiramente em suas palavras, encontrando-se destituído de outros meios de defesa, está perdido: as amizades que se adquirem por dinheiro, e não pela grandeza e nobreza de alma, são compradas, mas com elas não se pode contar e, no momento oportuno, não se torna possível utilizá-las. E os homens têm menos escrúpulo em ofender a alguém que se faça amar do que a quem se faça temer, posto que a amizade é mantida por um vínculo de obrigação que, por serem os homens maus, é quebrado em cada oportunidade que a eles convenha; mas o temor é mantido pelo receio de castigo que jamais se abandona.”

Retomo
Que coisa, hein? Viram? Maquiavel, ao lado do cinismo, é de uma crueza que não deixa de encantar. Notem o que diz: os homens têm menos escrúpulos de ferir um amigo, a quem não temem, do que o inimigo, com receio do castigo.

Mas essas considerações são laterais àquilo que aqui vai de essencial para a vida pública.

Digamos que o tal “populismo” de que fala Temer corresponda, no texto maquiavelano, a se fazer amar. Sim, os populistas são amados, mas por maus motivos, como sabemos. E a ingratidão de que trata Maquiavel não faz juízo da qualidade da ação que conduziu ao amor. Basta, diz o autor, que os “homens” percebam a solidão do Príncipe, e eles o entregarão às feras, sem pestanejar.

Daí, então, que sugira: melhor ser temido. Tomo a palavra, em tempos modernos, por “impopular”, mas fazendo a coisa certa. Claro, as circunstâncias de uma democracia são distintas das de uma tirania, de que Maquiavel tratava. Temer terá de negociar com o Congresso. Se a reforma da Previdência não for aprovada, por exemplo, não será ele a punir o povo, mas o descontrole das contas públicas, que cobrará seu preço em juros, déficit, inflação, recessão, o diabo…

Aos poucos, de uma vez
A conclusão do capítulo VIII  tem de ser lida também por aqueles que já reúnem a quantidade suficiente de massa branca. Trata-se do famoso trecho sobre fazer o bem aos poucos e o mal de uma vez só:

“Por isso é de notar-se que, ao ocupar um Estado, deve o conquistador exercer todas aquelas ofensas que se lhe tornem necessárias, fazendo-as todas a um tempo só para não precisar renová-las a cada dia e poder, assim, dar segurança aos homens e conquistá-los com benefícios. Quem age diversamente, ou por timidez ou por mau conselho, tem sempre necessidade de conservar a faca na mão, não podendo nunca confiar em seus súditos, pois que estes nele também não podem ter confiança diante das novas e contínuas injúrias. Portanto, as ofensas devem ser feitas todas de uma só vez, a fim de que, pouco degustadas, ofendam menos, ao passo que os benefícios devem ser feitos aos poucos, para que sejam mais bem apreciados. Acima de tudo, um príncipe deve viver com seus súditos de modo que nenhum acidente, bom ou mau, o faça variar: porque, surgindo pelos tempos adversos a necessidade, não estarás em tempo de fazer o mal, e o bem que tu fizeres não te será útil eis que, julgado forçado, não trará gratidão.”

Ninguém deu à amoralidade política a grandeza literária e a, vá lá, extensão teórica que deu Maquiavel. Observem que o Príncipe está sempre a lidar com homens viciosos. A conclusão do trecho não poderia ser mais eloquente. Se o governante faz o bem de uma vez só, ao primeiro mal, vão lhe enfiar a faca nas costas. E ele já não poderá reagir fazendo o mal.

Há duas categorias de pensadores que põem Maquiavel no panteão. Pertenço a uma delas: a dos realistas. A outra é a dos psicopatas.

Encerrando
Temer não entrou em todas essas latitudes e longitudes de “O Príncipe”, mas disse a coisa certa. E, sobretudo, está tentando fazer a coisa certa. Se vai ou não conseguir, vamos ver.

Afinal, mesmo o brilho intelectual de Maquiavel não dispensa a força armada se esta se faz necessária. E, na democracia, a única arma aceitável é o argumento.

Torço para que o presidente vença os viciosos.

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