Pingo Final: Não comprem peixe podre: projeto que pune abuso de autoridade é bom e não é contra a Lava Jato
O Estadão informa nesta sexta que o senador Romero Jucá (PMDB-RR), relator do projeto que muda a lei que pune abuso de autoridade, voltará a ser debatido no Senado e pode ser votado no mês que vem. Já escrevi alguns textos a respeito. Não comprem o peixe podre que andam vendendo por aí. O projeto é de 2009 E NADA TEM A VER COM A LAVA-JATO, QUE SÓ FOI DEFLAGRADA EM 2014. É mentira que se trata de uma tentativa de tolher a operação. Quem afirma isso opina de orelhada e não leu o texto. A íntegra está aqui.
O juiz Sérgio Moro já falou contra o texto. O procurador Deltan Dallagnol já falou contra o texto. Rodrigo Janot já falou contra o texto. Os três, no entanto, foram incapazes de dizer o que têm contra o dito-cujo.
No dia 1º de julho, escrevi um texto intitulado “Projeto que pune abuso de autoridade não é tramoia de Renan; é garantia da democracia”. Os ignorantes fanáticos não gostaram. Eu nem escrevo nem comento para ignorantes fanáticos.
Só sei exercer este trabalho dizendo o que penso, ainda que os próprios internautas possam não gostar. Fosse de outro modo, ficaria com uma espécie de termômetro da opinião da maioria sempre à mão. E me posicionaria em favor do estado de mobilização febril. Não é a minha praia.
O texto original, que foi essencialmente resgatado pelo Senado, é, reitero, de 2009, de autoria do então deputado Raul Jungmann, hoje ministro da Defesa. Foi elaborado por uma comissão especial, formada a pedido do então presidente do Supremo, Gilmar Mendes. Integraram o grupo o agora ministro do STF e à época do STJ Teori Zavascki (hoje relator do petrolão), o então desembargador Rui Stocco, o ex-secretário da Receita Everardo Maciel e Luciano Felício Fuck, antes e ainda hoje um dos principais assessores de Mendes.
Onde está a conspiração em favor da impunidade, considerados o conteúdo do texto, que recomendo que seja lido, os membros do grupo que formularam a proposta e o seu autor original? Seriam todos eles notórios defensores de bandidos?
Basta ler o documento para saber que se pune o abuso de autoridade cometido em qualquer, vamos dizer, escala social: do guarda ao presidente da República. Ou seremos nós a dizer que coisas assim não acontecem no Brasil? A lei que temos, a 4.898, é de 9 de dezembro de 1965, assinada por Castello Branco, o primeiro presidente da ditadura militar instaurada em 1964.
A proposta continua a contar hoje com o apoio claro do ministro Gilmar Mendes — e, a rigor, de quantos defendam o Estado de Direito. Ou será que o ministro é um paladino da democracia quando vota a favor da execução das penas depois de julgamento na segunda instância, mas se torna um militante da impunidade quando defende um texto que combate o abuso de autoridade?
“Ah, mas por que debater isso agora?” Venham cá: se a lei é boa e se ela resguarda direitos dos cidadãos contra o eventual autoritarismo do Estado, existe momento ideal para votá-la?
Pergunto mais ainda: se ela pune O ABUSO, mas não A AUTORIDADE, por que deve ser vista como uma ação contra a Lava-Jato?
Eu tenho dificuldade com quem não raciocina logicamente. No mínimo, seria preciso evidenciar quais trechos do texto impediriam o livre e legal exercício do trabalho dos procuradores. Sim, eles também estariam sujeitos à lei. E nem poderia ser diferente: afinal, são autoridades. E sabemos que lutaram por isso, daí que exerçam também o trabalho de investigação.
“Ah, mas se não atingisse a Lava-Jato, é claro que Renan não se empenharia…” Bem, meus caros, as pessoas podem decidir opinar sobre qualquer coisa no mundo tendo sempre a operação como filtro. Não acho um bom procedimento.
Não tenho prazer especial nenhum em ir contra o consenso, mas também não me assusta o dissenso. Entendo que a lei que pune o abuso de autoridade é uma proteção democrática que serve a todos, muito especialmente aos mais pobres, as principais vítimas de arroubos autoritários fora do escopo legal.
Eu refaço o convite. Leiam o texto. Tentem identificar nele o que não está de acordo com uma sociedade plenamente democrática e em que a Lava-Jato seria obstada caso fosse aprovado.
E não custa lembrar no arremate: os pobres seguiriam sendo as maiores vítimas desse crime, ainda que o autor original do projeto, e não é o caso, tivesse a intenção de proteger os ricos. Ademais, um país decente respeita os indivíduos independentemente de sua origem, certo? Não se enganem, perguntem e respondam: num país em que até rico fosse humilhado em nome da isonomia, como estariam sendo tratados os pobres?
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