Preparem-se para amar Donald Trump!
Tão logo se anunciou a vitória de Donald Trump, na manhã de quarta-feira, entrei no ar na rádio Jovem Pan e comentei: “O falcão agora vai virar uma pomba”. Ele tinha acabado de fazer o seu discurso da vitória: chocho, convencional, sem graça, assustado, deixando de lado o histrião e tentando estrear como estadista.
Os mercados, que haviam se assanhado e entrado em pânico com a sua vitória, ouviram o discurso, analisaram e logo se pacificaram. Como disse o ministro José Serra (Relações Exteriores), treino é treino, jogo é jogo. No ensaio geral, o malucão ficou fazendo embaixadinha. Em campo, vai ter de se comportar.
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Nesta quinta, ele se encontrou com o presidente Barack Obama, por quem disse ter muito respeito. Claro, claro… Liderou a campanha que insistia na tese de que o outro nem americano era. Sugeriu, mais de uma vez, alimentado por seus fanáticos, que o ainda titular da Casa Branca é um submarino do Islã na América.
Agora, depois da reunião, rende suas homenagens ao presidente e diz que pretende se aconselhar com ele depois que estiver na Casa Branca. Ok. É uma fala convencional. Mas notem: ele havia rompido até com esse convencionalismo.
Trump vai se encontrar também com o presidente do México, Enrique Peña Neto. Vamos fazer uma aposta? A construção do muro que separaria aquele país dos EUA, promessa solene de Trump a seus sectários, vai começar a… subir no muro. E não se vai construir é nada.
Eu tinha 19 anos em janeiro de 1981, quando Ronald Reagan, o ator, chegou à Presidência dos EUA. Não era um neófito. Já tinha sido governador da Califórnia, mas muitos desconfiavam de sua capacidade intelectual. A imprensa democrata fazia pouco caso dele. Era tido como um ator de segunda linha, que decorava textos com dificuldades. As piadas eram óbvias: o picadeiro da política americana seria bem menos seletivo do que Hollywood. Temia-se a sua retórica algo radical.
É claro que não era uma besta ao quadrado como Trump. Eram tempos de Guerra Fria e de luta contra o império comunista. Assistam à série “The Americans”, no Netflix. Reproduz o clima daquela época. Pois bem: sei que é matéria controversa, mas Reagan foi um dos maiores presidentes americanos de todos os tempos. Sim, ele tem papel essencial na derrocada da União Soviética.
Ocorre que Reagan — como à época chamava atenção Paulo Francis, de maneira isolada — era um homem de convicções, não alguém viciado em aceitação e em aclamação ou rejeição, como é Donald Trump. Noto: esses dois extremos provocam no alvo da admiração ou do ódio a descarga das mesmas substâncias cerebrais.
Reagan era um anticomunista convicto e levou adiante a sua agenda. Trump é só um palhaço midiático, que exacerbou os ódios para ganhar a eleição e que agora dá início à sua trajetória em busca da aceitação: ele está disposto a liderar a audiência.
Assim, não tenham dúvida: a partir de agora, o bufão sem ideologia — e ele não tem nenhuma! — deixa de lado a figura do histrião irascível, que sai demitindo e chutando todo mundo, para envergar as vestes do homem terno, preocupado com as pessoas.
Passará os próximos quatro anos tentando apagar a imagem negativa que espalhou mundo afora durante a campanha eleitoral.
Em muitos aspectos, e poucos se dão conta disto, o eleitorado americano não mudou o padrão da escolha: apenas inverteu o sinal. Obama é produto das redes sociais. Ou não é? Também ele era o homem que surgia contra o establishment e a burocracia de Washington, certo? Agora apareceu o seu duplo invertido: não é negro, é cor de laranja; não é esquerdista, é direitista; não tem exatamente uma proposta de governo, mas é um mobilizador de sensações — no seu caso, excita o rancor dos que se consideram vitoriosos; Obama, o dos que se queriam derrotados e perseguidos.
Assim, podem sossegar. Não vai acontecer é nada. Só torço para que a política externa de Trump não seja tão desastrada como a de Obama.
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