Programa Antártico Brasileiro: 40 anos de pesquisas e descobertas no continente gelado

Será iniciada, em breve, a construção no Brasil, por brasileiros, de um navio apropriado às operações polares, que dará nova dimensão às expedições antárticas

  • Por Marco Antônio Linhares Soares*
  • 03/02/2022 10h00 - Atualizado em 03/02/2022 11h05
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Divulgação/Programa Antártico Brasileiro Embarcação com a bandeira do Brasil se aproxima da Antártica Programa Antártico Brasileiro (Proantar) foi criado em 12 de janeiro de 1982

O último dia 12 de janeiro marcou o 40º aniversário de criação do Programa Antártico Brasileiro (Proantar). Concebido para levar o Brasil à Antártica, este programa foi estabelecido em 1982, sete anos após a adesão do Brasil ao Tratado Internacional da Antártica. Aquele ano de 1982 traz a lembrança da Copa do Mundo de 1982 e a seleção Canarinho, que levou às lágrimas 120 milhões de brasileiros, a comercialização do videocassete e o samba-enredo “Bum Bum Paticumbum Prugurundum”, da vitoriosa Império Serrano. Também houve a Guerra das Malvinas, e assistimos ao pouso de um bombardeiro inglês na pista do Galeão; o afundamento em nosso litoral do petroleiro Hercules com uma bomba alojada em seus porões e o rastreamento do DC-10 da extinta Varig, confundido com o avião da Aerolíneas Argentinas que costumava sobrevoar a força naval inglesa.

Todos esses acontecimentos ornamentaram os preparativos para a chegada do Brasil à Antártica, de onde nunca mais saímos. O então Ministro da Marinha, Almirante Maximiano, em uma perspectiva visionária, articulou a criação do Proantar e trouxe sua execução para a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, que integra vários ministérios e permanece ativa até hoje, sob coordenação do Comandante da Marinha. O primeiro desafio foi adquirir uma embarcação apropriada para navegação polar. Fomos buscar na Dinamarca o saudoso Navio Barão de Teffé, construído em 1957, de corrente elétrica contínua e equipado com limitados destiladores de água do mar para produzir água potável. Ao chegar ao Rio de janeiro, iniciaram-se os preparativos para a viagem, fez-se laboratórios, ajustou-se o convés para acomodar dois helicópteros, adquiriu-se insumos médicos, de sobrevivência e vestimentas de frio, enfim, muito trabalho para prontificá-lo a tempo de se navegar naquele verão antártico de 1982-1983.

A essa primeira expedição foi incorporado o Navio Oceanográfico Prof. Wladimir Besnard, da USP, um capítulo especial dessa história. Em 20 de dezembro de 1982, 11 meses após a criação do Proantar, o Comandante Fernando Pastor iniciava a viagem, conduzindo uma seleção de pesquisadores brasileiros, jornalistas, alpinistas e marinheiros. Na travessia, próximo às Ilhas Malvinas, o navio foi sobrevoado por aeronaves inglesas, resquício de um conflito recém encerrado. Em 5 de janeiro de 1983, a âncora descia na baía do Almirantado, nas proximidades da estação polonesa Arctowski, que, em uma feliz coincidência, viriam a ser nossos futuros vizinhos na Antártica. Fomos muito bem recebidos pelos poloneses, marcando desde então o espírito de cooperação que vigora entre os que lá operam.

Na busca pelo local da estação, foram visitadas as bases chilena, argentina, norte-americana, inglesa e russa. Em uma navegação mais ousada, exposta continuamente à passagem de Drake e cruzando o mar de Weddell, o “Barão” chegou até a estação alemã de Neumayer, valendo-se dos limitados recursos de previsão meteorológica de então. Após essa saga de 10 mil milhas, o “Barão” retornou ao Rio de Janeiro e no verão seguinte, de 1983-1984, foram transportados oito módulos que comporiam a base brasileira, solenemente inaugurada como “Estação Antártica Comandante Ferraz” (EACF), o endereço brasileiro mais ao Sul, onde há uma caixa dos Correios, telecomunicações disponibilizadas pela empresa Oi, e que é iluminada e aquecida com combustível fornecido pela Petrobras.

Em 15 de janeiro de 2020, a Estação Antártica Comandante Ferraz foi reinaugurada, um novo projeto concebido por brasileiros, dotada de modernos laboratórios e suaves linhas arquitetônicas. Nesses 40 anos, milhares de pesquisadores foram à Antártica, sejam nos navios da Marinha, ou nas asas da Força Aérea, que inaugurou seus pousos na região em 1983, e, em breve, pousará com o brasileiríssimo KC 390. Os dois navios da Marinha que apoiam o Proantar, Ary Rongel e Almirante Maximiano, estão agora na Antártica, contribuindo para a pesquisa, produzindo cartas náuticas e coletando amostras científicas. Em breve será iniciada a construção no Brasil, por brasileiros, de um navio apropriado às operações polares, que dará nova dimensão às expedições antárticas.

Todo aquele continente branco permanece intocado, caracterizando-se por intensos e rápidos fenômenos meteorológicos, que afetam diretamente nosso território. A circulação oceânica, a fauna e a botânica da região são estudadas, bem como a atmosfera e a camada de gelo, dentre outras áreas. É nossa contribuição para a ciência, algo que os signatários do Tratado se comprometem a fazer, e que nós efetivamente realizamos, com pesquisa científica de qualidade. Assim, é importante ressaltar que todos os recursos humanos, científicos, materiais e financeiros empregados no Proantar convergem para o objetivo maior do programa: a presença soberana do Brasil na Antártica, um legado para as gerações futuras, uma conquista que nos alçou à condição de membro consultivo do Tratado da Antártica, credenciando-nos a decidir seu futuro.

*O contra-almirante Marco Antônio Linhares Soares é secretário da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar. Natural do Rio de Janeiro, ele ingressou na Marinha em 1985, como aluno do Colégio Naval. Formou-se na Escola Naval em 1991. Concluiu o curso e se aperfeiçoou em hidrografia, em 1995. Atuou em diversos cargos na área de hidrografia e navegação e foi assistente do Conselheiro Militar de Representação do Brasil junto à ONU. Promovido ao posto de contra-almirante em março de 2020, foi subchefe de assuntos marítimos e organização do Estado-Maior da Armada.


Obs.: Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

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