Relatório do TCU complica até a vida de Janot

  • Por Jovem Pan
  • 18/06/2015 12h38
Procurador-geral da República, Rodrigo Janot, durante cerimônia em Brasília. 25/03/2015 REUTERS/Ueslei Marcelino Reuters O procurador-geral da República

Reinaldo, quer dizer que o relatório do TCU complicou até a vida de Rodrigo Janot?

Sim, complicou. Tratei do assunto no editorial de ontem do Pingos nos Ís e agora volto ao tema. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, poderia estar numa situação muito fácil. E, no entanto, está numa situação difícil. Seria fácil caso tivesse se limitado a ler o que está na Constituição, evitando a interpretação exótica. Como não a evitou… Vamos ver. Júlio Marcelo, que pertence ao mesmo Ministério Público presidido por Janot e que é procurador da República junto ao TCU, fez um relatório devastador sobre as contas do governo federal em 2014. Além das tais pedaladas fiscais e de manobras contábeis as mais diversas, aponta que a presidente Dilma assinou três decretos autorizando o Tesouro a contrair empréstimos sem o aval do Congresso.

Se o TCU tivesse votado o relatório nesta quarta, ele teria sido aprovado, e, assim, o tribunal teria recomendado ao Congresso que rejeitasse as contas. É grave? É grave! Mas os ministros deram uma piscada e decidiram adiar por 30 dias, cobrando que Dilma se pronuncie pessoalmente sobre o assunto. Atenção, meus caros! Isso nada tem a ver com a praia de Rodrigo Janot, pouco importa a decisão do TCU ou do Congresso.

Ao se manifestar perante o Supremo sobre a possibilidade de a presidente Dilma ser responsabilizada pelos descalabros da Petrobras, Janot argumentou que o Artigo 86 da Constituição impede que a presidente seja responsabilizada, no curso deste mandato, por atos cometidos no mandato anterior. Foi a leitura que ele fez do parágrafo 4º de tal artigo, onde está escrito:
“O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.

Parece evidente que a interpretação dada por Janot é imprópria. Até porque o texto constitucional fala em “exercício de suas funções”, não em “exercício do mandato”. A função de Dilma em 2015 é a de presidente, a mesma que ela exerce desde 2011. Caso Janot mantenha a sua leitura, há de dizer que as pedaladas fiscais e os empréstimos irregularmente contraídos se deram em 2014; logo, não teriam nenhuma relação com este mandato.

Mas esperem: fiquemos atentos a um trecho do relatório de Júlio Marcelo. Diz ele: “O que a nação assistiu perplexa foi uma verdadeira política de irresponsabilidade fiscal, marcada pela deformação de regras para favorecer os interesses da chefe do Executivo em ano eleitoral”.

Ora, essas palavras põem a nu a leitura ridícula feita por Janot. Se o procurador-geral estivesse certo, um presidente da República poderia cometer crimes num mandato para garantir o próximo e jamais poderia ser responsabilizado. Júlio Marcelo diz que Dilma fez precisamente isso. Será que o parlamentar constituinte, ao redigir e aprovar aquele Parágrafo 4º, estava dando carta branca ao chefe do Executivo para fazer o que lhe desse na telha? De resto, o texto constitucional é anterior ao estatuto da reeleição.

Sim, senhores! O representante do MP no TCU está dizendo que Dilma cometeu crime de responsabilidade, infringindo a Alínea 4 do Artigo 10 e a Alínea 3 do Artigo 11. Janot tem instrumentos na mão para oferecer, se quiser, uma denúncia contra Dilma.

Mas não é só isso. A oposição lhe encaminhou um pedido cobrando a abertura de ação penal contra a presidente, aí com base dos Artigos 299 e 359 do Código Penal, que tratam de crimes contra as finanças públicas. Como já expliquei aqui no Jornal da Manhã, ele pode negar que isso tenha acontecido – e isso implica, de novo, jogar no lixo o relatório de um membro do próprio Ministério Público -, encaminhar uma denúncia ao STF, que teria de ser remetida à Câmara para exame, ou solicitar, ao menos, uma abertura de inquérito.

Se, nos episódios do petrolão, a Procuradoria-Geral da República conseguiu, ainda que com argumentos ruins, livrar a cara de Dilma, no caso das pedaladas fiscais, a coisa já fica mais difícil agora. Ainda que Janot insistisse naquela mesma leitura exótica, não teria por quê, dadas as evidências apontadas por um membro do próprio MP, recusar ao menos a abertura de inquérito – o que é, segundo jurisprudência do Supremo, constitucional, sim.

Na história do petrolão, está sendo possível limpar a barra de Dilma com o glacê da retórica jacobina contra alguns acusados. No caso da lambança fiscal, isso é impossível. Não há compensações a oferecer. Se Janot mantiver a sua postura, só restará mesmo a advocacia da impunidade.

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