“Socorro! Gilmar quer pôr fogo na floresta e assar a Lava Jato!”

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 08/02/2017 10h23
O ministro do Superior Tribunal Federal, Gilmar Mendes fala sobre o financiamento particular de campanhas políticas (Elza Fiúza/Agência Brasil) Elza Fiuza/Agência Brasil Gilmar Mendes - ABR

“Socorro! Socorro! Gilmar Mendes quer botar fogo na floresta da moralidade nacional!”

Esse é um asno muito comum nos dias de hoje, que emula com aquele coelho do Bambi.

Mas por que estão escoiceando tanto os fatos nas redes sociais? Antes, algumas informações.

No primeiro julgamento de um procedimento depois do início do Ano Judicial, a Segunda Turma do Supremo negou um recurso que poderia tirar da cadeia um condenado da Lava Jato, a saber: João Cláudio Genu, ex-assessor do PP, conhecido desde os tempos do mensalão.

Uma explicação rápida. Tratava-se de um recurso chamado “Reclamação”. Por intermédio dele, um indivíduo pede o reconhecimento de determinado direito. O que os advogados de Genu queriam? Que seu cliente fosse julgado pelo STF, argumentando que fatos relacionados àquilo que lhe imputam estão sendo apurados nesse tribunal. Segundo a tese, Sergio Moro teria usurpado uma atribuição do Supremo. Nota: o juiz condenou Genu a oito anos e oito meses de prisão, que ele está cumprindo em regime fechado.

Teori Zavascki já havia negado uma liminar. A defesa recorreu, e os cinco ministros da Segunda Turma votaram contra, em uníssono: Edson Fachin, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Fachin estreou na relatoria. Negou provimento à pretensão da defesa. E nem poderia ser diferente. Apenas em casos excepcionalíssimos os ministros têm mantido na Corte quem não tem foro especial. E Genu não tem. Há também um pedido de habeas corpus, que ainda não foi apreciado pelos ministros. Creio que será concedido.

De volta a Gilmar Mendes
O ministro seguiu, como se viu, o relator. Considerou a Reclamação descabida. Mas Mendes afirmou uma obviedade que pôs asnos, pardalocas e boquirrotos em polvorosa. Disse isto: “Temos um encontro marcado com as alongadas prisões que se determinam em Curitiba. Temos que nos posicionar sobre esse tema, que conflita com a jurisprudência que construímos ao longo desses anos”.

O que há de absurdo ou criticável aí além de nada? Afinal, as prisões em Curitiba se alongam ou não se alongam sem tempo? O Artigo 312 do Código de Processo Penal não estabelece, com efeito, o tempo máximo da prisão preventiva. Mas define quatro pressupostos para que seja decretada: garantia da ordem pública; garantia da ordem econômica; no interesse da instrução criminal (isto é, pare evitar que o preso altere provas ou manipule testemunhas) e assegurar a aplicação da lei penal — vale dizer: impedir a fuga. As tais das ameaças à ordem significam o seguinte: haveria evidências de que a pessoa está prestes a cometer outro crime ou nele já incide. Atenção! Isso tem de dizer respeito ao presente e ao futuro imediato.

Quem lê as petições do Ministério Público, em vez de só ficar vomitando lobby vigarista, sabe que os pedidos do MP para as preventivas evocam, na quase esmagadora maioria das vezes, fatos do passado do processado. Ora, os fatos do passado compõem o conjunto de coisas que fizeram dele um investigado ou um réu. Prender a pessoa preventivamente, antes do julgamento, em razão do crime que a fez ré — SE NÃO HÁ EVIDÊNCIAS DE CRIMES NO PRESENTE, SE NÃO HÁ AMEAÇA À INSTRUÇÃO NEM AMEAÇA DE FUGA — constitui uma óbvia ilegalidade.

É difícil explicar isso às pessoas? Um pouco. Até porque a campanha de desinformação do Ministério Público Federal é poderosa. E seus multiplicadores na Internet têm uma agressividade sempre proporcional à ignorância. Qualquer um que seja preventivamente preso sem o devido amparo no Artigo 312 está sendo alvo de uma ilegalidade.

Já citei o caso de Eduardo Cunha, não? Eu acho que ele é culpado. Mas ele tem de ser julgado e condenado para, então, começar a cumprir a pena.

Cadeia para obter delação
O MPF e Sergio Moro se zangam quando alguém constata o óbvio: a cadeia é usada como instrumento para forçar o detido a fazer delação premiada. Isso é interpretação? É chute? Não! Foi o que confessou com todas as letras Deltan Dallagnol, na segunda-feira, no Facebook.

Ao tentar impor uma agenda a Alexandre de Moraes, defendendo a execução da pena (prisão após julgamento) depois da condenação em segunda instância, ele escreveu o seguinte (e alguns pares seus ficaram irritados por ele ter entregado o serviço: “A colaboração é um instrumento que permite a expansão das investigações e tem sido o motor propulsor da Lava Jato. O criminoso investigado por um crime ‘A’ entrega os crimes B, C, D, E — um alfabeto inteiro — porque o benefício é proporcional ao valor da colaboração (…). Em resumo, a execução provisória (prisão!!!) é o que pode garantir um mínimo de efetividade da Justiça Penal contra corruptos, levando-os à prisão dentro de um prazo mais razoável”.

Ninguém precisa interpretar o que está dito com todas as letras.

Agora pensemos de novo sobre o que disse Gilmar Mendes…

Meu Deus! Ele pediu que se cumpra a lei! Esse ministro deve estar louco, não? Afinal, quando a lei é desrespeitada, ou excepcionalmente aplicada, para punir nossos inimigos, os que consideramos culpados, aqueles de que não gostamos, a gente deve aplaudir, né? Como se fazia na URSS de Stálin, na Alemanha de Hitler ou na Itália de Mussolini.

“Está comparando o Brasil de hoje com aqueles países à época, Reinaldo?”

Não! Eu só estou a demonstrar que esse tipo de comportamento e de procedimento tem história. E não é próprio dos regimes democráticos, com o qual se identifica, ou tem de se identificar, a direita liberal.

A diferença entre uma prisão ilegal e um linchamento é só de grau. Com um agravante no caso da primeira prática: é executada pelo estado, que deveria justamente garantir o cumprimento da lei.

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