Surrealismo: Por que anotar num roteiro de fuga pagamento do BTG Pactual a Cunha?
Já disse certa feita que a gente se sente às vezes no fogo cruzado de “Cães de Aluguel”, filme de Tarantino… Sabem aquela cena em que todos atiram e todos morrem porque, afinal, não havia inocentes por ali? O diabo, reitero, é que os brasileiros também são vítimas — todos nós.
Não que Delcídio Vovó Mafalda do Amaral (PT-MS) fosse a fronteira da inocência. Há tempos, havia elementos para intuir que não. Mas se meter a organizar uma operação de fuga de uma peça-chave da maior investigação jamais havida no país? Quem esperava por isso? E, no entanto, lá estava a ele a indicar até o melhor avião para o plano criminoso.
O próprio Eduardo Cunha (PMDB-RJ), convenham, sempre ficava bem como estrela do filme “Nunca Fui Santo”, mas se considerava, vamos dizer, rústico demais que negasse de forma tão peremptória ter contas na Suíça quando, bem…, tinha contas na Suíça! Nessa narrativa, a realidade vai se encarregando de ser mais crua do que a imaginação mais torpe, cínica ou pessimista.
Assim, quando uma história contada com todas as tintas do absurdo vem à luz, como a deste domingo, todos acreditamos nela não porque faça sentido, mas porque… não faz sentido nenhum.
Recuperemos brevemente os fatos. Teori Zavascki atendeu a pedido do Ministério Público e converteu em preventivas as respectivas prisões temporárias de André Esteves, que renunciou neste domingo ao comando do BTG Pactual, e de Diogo Ferreira, assessor do senador Delcídio, este também em prisão preventiva.
E por quê? Entre os documentos apreendidos na casa do tal Diogo, há o que seria um roteiro daquele plano mirabolante para tirar Nestor Cerveró do Brasil — no caso, o plano de conversas de Delcídio com ministros de tribunais superiores. Muito bem! Já clama aos céus que algo assim tenha sido posto num papel. Lula diria que isso também é coisa de “idiota”, “coisa de imbecil”.
A ser assim, essa gente ainda acabará fazendo inveja a Luiz Carlos Prestes, o líder comunista que tinha o hábito de anotar em cadernetas os passos do complô comunista. Resultado: caiu tudo na mão da polícia de Getúlio Vargas.
Mas sigamos.
Não só o roteiro estava entre os pertences de Diogo como, no verso de uma das folhas, lê-se a seguinte pérola, segundo a Procuradoria-Geral da República:
“Em troca de uma emenda à medida provisória nº 608, o BTG Pactual, proprietário da massa falida do banco Bamerindus, o qual estava interessado em utilizar os créditos fiscais de tal massa, pagou ao deputado federal Eduardo Cunha a quantia de 45 milhões de reais”.
Notem: esse caso, em si, nada tem a ver com Cerveró, Petrobras, petrolão etc. A pergunta óbvia: por que diabos alguém faria essa anotação? O que há de tão difícil aí que não possa ser guardado na memória? Mais interessante ainda: Cunha, de fato, fez emendas à MP 608. Uma dizia respeito ao fim da obrigatoriedade do exame da OAB. As duas relacionadas a créditos fiscais foram rejeitadas pela comissão.
Mas as anotações não param por aí. São tão impressionantes que até parecem redigidas sob encomenda. Ainda de acordo com o pedido da Procuradoria-Geral da República, a anotação informa que teriam participado da operação, pelo BTG, Carlos Fonseca e Milton Lyra. Está lá: “Esse valor também possuía como destinatário outros parlamentares do PMDB. Depois que tudo deu certo, Milton Lyra fez um jantar pra festejar. No encontro, tínhamos as seguintes pessoas: Eduardo Cunha, Milton Lyra, Ricardo Fonseca e André Esteves”.
Vamos ver. Nós, obviamente, temos dificuldade de pensar com cabeça de bandido porque não somos bandidos. Por isso, socorremo-nos da lógica. Pergunto: isso faz sentido? É claro que não! Por que alguém faria uma anotação como essa? Considerando que, em tese ao menos, Diogo não esperava que a polícia fosse apreender a papelada, deixou aquela coisa escrita para quem ler?
Eduardo Cunha diz ser tudo um absurdo e sentir cheiro de armação… Pois é. Acontece que o deputado perdeu a credibilidade para fazer digressões sobre isso e aquilo depois que ele próprio resolveu tirar o absurdo pra dançar, não é mesmo? O BTG Pactual, o banco mesmo, não Esteves, nega qualquer pagamento a Cunha e diz que o banco não foi beneficiado naquele caso.
A esta altura, no entanto, estamos começando a nos acostumar com o fato de que o absurdo tem sido o parceiro mais constante da política. Notem: não estou pondo em dúvida a existência do documento ou o tal escrito. Mas vocês, a exemplo deste escriba, não se perguntam por que alguém faz isso, ainda que o pagamento da propina seja verdadeiro?
Não seriam Bumlai e seu chefe os verdadeiros alvos?
Há uma questão algo intrigante nisso tudo. Rodrigo Janot não diz se o suposto pagamento de R$ 45 milhões a Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, está ou não sendo investigado. Suponho que sim, não?
Não sei até que ponto essas anotações não são uma espécie de despiste até virtuoso. Sabem quem comparece também à narrativa que envolve o BTG Pactual? José Carlos Bumlai!
Sim, ele mesmo! O banco comprou uma fazenda de um dos filhos do amigão de Lula por R$ 195 milhões. Na Receita Federal, informa a Folha, considera-se a operação suspeita.
Em 2012, o BTG repassou créditos a uma empresa do filho de Bumlai, numa operação frustrada de reestruturação. Também esses elementos teriam contribuído para a prisão temporária de André Esteves se transformar em preventiva.
No capítulo BTG Pactual, não seriam Bumlai e a trilha que conduz a seu chefe os verdadeiros alvos?
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