Temer, Cármen Lúcia, Gleisi, mulheres e discursos fora do lugar

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 09/03/2017 07h44 - Atualizado em 04/04/2017 16h32
BRA006. BRASILIA (BRASIL), 08/03/2017. El presidente de Brasil, Michel Temer (d), acompañado de su esposa, Marcela Temer (i), participa en una ceremonia hoy, miércoles 8 de marzo de 2017, en el Palacio do Planalto de Brasilia (Brasil). Temer presidio un acto en honor del Día Mundial de la mujer y afirmó que la situación de la mujer debe ser una preocupación constante y no cuestión de un día. EFE/Joédson Alves EFE/Joédson Alves Marcela e Michel Temer em cerimônia pelo Dia Internacional das Mulheres no Palácio do Planalto

Vamos ver. O presidente Michel Temer é uma das pessoas mais educadas e elegantes que conheço. Já conversei com ele algumas vezes, e não há em sua fala ou divagações a menor sombra de preconceito de qualquer natureza. Muito menos contra mulheres.

Eu até poderia emendar aqui um “ao contrário”. E por quê? No Brasil, a primeira Delegacia de Defesa da Mulher surgiu por seu intermédio, quando secretário de Segurança Pública de São Paulo. Isso há 31 anos.

E não! Não trago à baila essas coisas para tentar melhorar o que falou o presidente sobre o Dia Internacional da Mulher. Destaco dois trechos.

“Tenho absoluta convicção, até por formação familiar, por estar ao lado da Marcela, o quanto a mulher faz pela casa, o quanto faz pelo lar, o quanto faz pelos filhos. Se a sociedade, de alguma maneira, vai bem, e os filhos crescem, é porque tiveram uma adequada formação em suas casas, e, seguramente, isso quem faz não é o homem, mas a mulher.”

E ainda: “Na economia, também, a mulher tem uma grande participação. Ninguém mais é capaz de indicar os desajustes, por exemplo, de preços em supermercados mais do que a mulher. Ninguém é capaz melhor de identificar eventuais flutuações econômicas do que a mulher, pelo orçamento doméstico maior ou menor”.

Sim, o presidente abordou a questão da igualdade. Lembrou que as mulheres ainda são “tratadas como figuras de segundo grau” e que “devem ocupar o primeiro grau”.

O discurso dá muito pano pra manga, não é? É evidente que Temer expressou uma realidade tangível: as mães têm, independentemente de questões sociológicas, uma interferência muito maior na vida das crianças. E essa influência é crescente: já são 40% os lares chefiados por mulheres.

Parece-me claro que o presidente não quis restringir o papel da mulher à dona de casa e àquela que vai ao supermercado. O tom, reitero, foi elogioso. Mas não foi a coisa mais hábil a dizer.

Há temas que são “botões quentes”. O feminismo é um deles. Um homem público tem de estar atento a isso, ainda que seja para confrontar o que não considera correto na militância. A fala não evidencia o protagonismo alcançado pelas mulheres.

Sim, fôssemos fazer um debate a respeito, meus caros, há abordagens para todos os gostos. Há estudos econométricos indicando que a taxa de delinquência juvenil avança junto com a de mulheres que trabalham fora. Isso é bom? Não! Quer dizer que o lugar da mulher é o lar para que seus filhos sejam mais bem-educados? Também não. Respostas a questões assim são individuais, claro!, mas também dizem respeito a políticas públicas.

Feminismo conflagrado
Mais: os próprios grupos feministas têm pontos de vista às vezes divergentes. A francesa Elisabeth Badinter escreveu há alguns anos um livro em que sustenta que os movimentos ecológicos oprimem as mulheres e as empurram para o retrocesso com a defesa da amamentação.

Há a famosa frase de Simone de Beauvoir, que é distorcida com a ligeireza habitual por fascistas de esquerda e de direita que não sabem nem fazer o “O” com o copo: “Não se nasce mulher; torna-se mulher”. Foi tema de redação do Enem em 2015. Só tenho um problema com o que aí vai: pode-se dizer o mesmo sobre os homens. O “tornar-se mulher” implica mudanças óbvias no “tornar-se homem”.

As ditaduras e as mulheres
Mas, com efeito, isso não iguala, do ponto de vista do direito e das relações sociais, as duas condições. Nas democracias ao menos, essa desigualdade pode ser articulada, anunciada, questionada. Nas ditaduras, não! Ditaduras são sempre nefastas para todos. Mas são sempre piores para as mulheres. Sem exceção.

O que lamento, aí sim, é que boa parte dos movimentos feministas se alinhe à esquerda — flertando, pois, com ditaduras. É evidente que a direita fascistoide não pode abrigar essa demanda porque sua ignorância não permite. Mas a direita liberal, ah, essa pode. A questão é saber onde ela está.

Temer fez um discurso respeitoso, decoroso, realista, mas em descompasso com a efervescência do tema. E não! Não me refiro às mulheres que eventualmente tenham se encantado com as bobagens ditas pela senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR). Basta lembrar que seu rol de ações afirmativas neste dia 8 de março incluía até uma “greve de sexo”. Estamos de volta ao século V antes de Cristo, a Aristófanes. Gleisi quer ser personagem da peça “Lisístrata”. Esta senhora parece entender que, na relação sexual, a mulher exerce o papel de doadora e de concessionária; e o homem, de recebedor e usuário. Não pode, quando menos, ser o contrário? Não dá para desperdiçar mais do que isso de linhas com Gleisi. Vamos a tarefas um pouco mais difíceis.

Cármen Lúcia
Quem também mandou mal foi Cármen Lúcia, presidente do STF. A resposta que deu ao colega Roberto Barroso, que a saudou pelo Dia Internacional da Mulher, foi grosseira: “Nós [mulheres] temos um dia; Vossas Excelências têm todos os outros. Olha o princípio da igualdade”.

Bem, se disse “Vossas Excelências”, referia-se aos ministros do tribunal, não ao conjunto dos homens — eu, por exemplo, não sou excelência.

Por óbvio, ministros e ministras gozam de iguais direitos na Corte. Mas sou ainda mais preciso: por óbvio, ao, por exemplo, homologar as delações da Odebrecht sem nem saber (infiro…) o que nelas havia — tanto é que lá estão penas aplicadas de forma extrajudicial!!! —, Cármen viveu um momento que, suponho, nenhum de seus colegas homens viveria. Ou os demais do mesmo gênero reagiriam a uma decisão que fere o Regimento Interno do Senado.

E nenhum homem do Supremo reagiu.

Com efeito, vai demorar até que se chegue à real igualdade. Antes de tudo, é preciso pôr os discursos no lugar.

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