Tiros em Orlando: oportunismo empapado pelo sangue das vítimas

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 13/06/2016 11h34
EFE Tiroteio em boate gay nos Estados Unidos mata ao menos 50 pessoas

O coração das trevas pode estar em qualquer lugar, inclusive em Orlando. Omar Mateen, de 29 anos, um americano filho de imigrantes afegãos, matou pelo menos 50 pessoas numa boate gay chamada Pulse. Outras 53 ficaram feridas. É a maior tragédia desse tipo havida nos Estados Unidos.

O Estado Islâmico reivindica a autoria do atentado, mas a polícia ainda não tem a certeza de que Mateen fosse ligado ao grupo. De todo modo, dada a forma que o terror islâmico tomou, tal vínculo nem precisa ser formal. Uma comunhão espiritual pode ser o bastante. No tempo do terror em rede, mesmo a tecnologia das células autônomas da Al Qaeda já foi superada. O Estado Islâmico lançou o conceito dos homens-célula. É suficiente que um particular entendimento de Alá os una.

Nos dois primeiros parágrafos deste texto, estão todos os “botões quentes” da polêmica, como chamou o grande Umberto Eco aos temas que costumam mobilizar a opinião pública, rendendo muito mais calor do que luz. Ou por outra: deixa-se de lado a tragédia propriamente para debater seu significado. O fenômeno, em si, é abandonado e se passa a discutir o evento como sintoma. E quais são esses botões? Gays, terrorismo islâmico, imigração, armas. Estão dados os elementos para a formação dos partidos e das torcidas.

Mundo afora, e também no Brasil, as comunidades LGBT denunciaram mais um crime de ódio voltado contra essa comunidade. É até compreensível, desde que se faça a devida ponderação: afinal, a Pulse era, segundo consta, uma espécie de símbolo desse grupo. Não se destina apenas ao lazer. Tem também um caráter militante.

Testemunho do pai do assassino em massa — que também morreu no local — informa que ele não tolerava os gays. No Brasil, alguns exaltados chegaram até a evocar o nome do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) como exemplo da cultura que mata homossexuais… Trata-se, obviamente, de uma tolice. Bolsonaro fala bobagem às pencas. Mas não tem nada com isso.

Donald Trump, o delinquente político que vai disputar a Presidência dos EUA pelo Partido Republicano, recorreu ao Twitter para tirar vantagem do ocorrido em termos obviamente inaceitáveis:
“Agradeço pelos parabéns por estar certo sobre o terrorismo islâmico radical, mas não quero parabéns, eu quero mais rigor e cautela”. E cobrou que sua provável adversária do Partido Democrata, Hillary Clinton, se posicione a respeito. Trump já chegou a defender que os imigrantes voltem a seus países de origem.

Hillary também foi o Twitter para se solidarizar com a comunidade LGBT e atacou as leis americanas que garantem a posse de armas — nas quais Trump não quer mexer: “Temos de manter armas como as usadas na noite de ontem longe das mãos de terroristas e outros criminosos violentos”. Barack Obama foi na mesma linha: “Temos de decidir se esse é o tipo de país que queremos ser. E entender que não fazer nada também é tomar uma decisão”. Bill, marido de Hillary e ex-presidente dos EUA, foi na mesma linha.

Então vamos pensar
Quem tem razão nessa gritaria? Ninguém. É muito mais fácil comprar uma arma nos EUA do que no Brasil. Não obstante, a taxa de homicídios naquele país está na casa de 5 por 100 mil habitantes — elevada, sim, para países com alto grau de desenvolvimento (na Alemanha, é de 0,5…) —, mas muito mais baixa do que os 26 por 100 mil do Brasil.

Se alguém espera que eu vá aqui defender a posse de armas, pode tirar o cavalo da chuva. Mas a proibição, por si, não resolve nada porque ela só passaria a vigorar para as pessoas decentes. Provo: se eu quisesse comprar uma arma, teria um trabalho danado. O bandido vai até a esquina e obtém a sua.

Notem: ainda que se possa argumentar que a diminuição da circulação de armas levará a um menor número de incidentes com esse tipo de dispositivo mortífero, o que a proibição da venda e do porte poderia contra assassinos como Omar Mateen, seja ele ou não um terrorista islâmico? A resposta: nada! Esse tipo de sociopatia ou de psicopatia não é regulado por lei.

Assim, é evidente que o casal Clinton e Obama estão pegando carona numa tragédia para vender um viés ideológico que não explica a realidade.

E não é diferente com Donald Trump. Os pais de Mateen vivem regularmente nos EUA, integrados às leis americanas. O eventual endurecimento contra a imigração nada poderia contra o assassino — que era, afinal, americano. E de origem imigrante — como Trump, afinal de contas… Ou o magnata é um cherokee legítimo?

Cumpre aguardar o resultado da investigação. Há indícios bastante consistentes de que Mateen tenha sido capturado pelo extremismo islâmico. Como é sabido, em casos assim, não é preciso que parta uma ordem superior para atacar. Que ele o tenha feito numa boate gay, trata-se de um ato consistente com um grupo que pratica o extermínio sistemático de homossexuais nas áreas que ocupa. Em Mosul, no Iraque, estes eram levados ao topo do edifício mais alto da cidade e de lá eram lançados, em execuções públicas.

Ocorre que é preciso ser um tanto cuidadoso ao se falar de “homofobia”. O Estado Islâmico crucifica cristãos — sim, seus militantes são cristofóbicos também. E escravizam mulheres: sim, eles são misóginos também. E degolam ocidentais. Sim, eles não toleram nenhuma diferença. O terror islâmico mata 100 mil cristãos por ano no mundo.

O que me parece é que as potências ocidentais terão de considerar, ainda que sob um custo imenso, que o terror não pode ter, como tem hoje, um território como referência. Ninguém estará seguro, pouco importam cultura, etnia, religião ou orientação sexual.

E, vamos convir, nesse particular, Obama é um flagelo. O mundo que ele deixa, em razão de incompreensões várias e erros clamorosos, é muito menos seguro do que o que ele encontrou. Culpar a venda de armas e a homofobia é só o discurso mais fácil e mais demagógico. E é evidente que um imbecil como Donald Trump não tem a resposta.

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