Yursa Mardini é o símbolo de um mundo em transe

  • Por Caio Blinder
  • 08/08/2016 10h02
EFE Yursa Mardini

 O Maracanã ovacionou a delegação de atletas refugiados na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, na sexta-feira, 5, e no dia seguinte foi saudado o esforço da nadadora Yusra Mardini, que não conseguiu passar para a semifinal nos 100m borboleta.

Yusra ainda deve competir, na quarta-feira, 10, nos 100m livre e, na terça, 9, será a vez do outro refugiado sírio, Rami Anis, nos 100 m livre masculino.

Quem sabe, Yusra e outros refugiados tenham mais chance nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020, não apenas pela incrível capacidade para superar tantas adversidades, mas também por seu mero status: continuarem na condição de refugiados.

Sim, o mundo se comove com a nadadora. Ajuda a lavar a alma enquanto refugiados prosseguem na sua sofrida corrida de obstáculos para tentar chegar a algum lugar, com amplos setores da sociedade na Europa e EUA, insuflados por políticos populistas, avessos à acolhida.

Claro que é complicado e não se trata de meramente abrir a porteira. A primeira-ministra alemã Angela Merkel assumiu o papel de que esta acolhida deveria ser minimamente organizada pela União Europeia para evitar o pior e subestimou a resistência. Hoje ela é mais impopular e demagogos de extrema direita nadam a braçadas largas na Europa.

O papel de Merkel como líder da Europa está fragilizado. Não bastasse muçulmano ser mecanicamente visto como terrorista, refugiado também está na vala comum. Yusra, aliás,  vive em Berlim, como Angela Merkel.  Na sua jornada para sobreviver, ela, inclusive, nadou três horas em mar aberto.

A adolescente de 18 anos é mais uma vítima da guerra civil sem fim da Síria, de uma complexidade dificil de ser dissecada até por especialistas. Na simplificação demagógica de gente como Donald Trump, basta destruir o terror do Estado Islâmico com ajuda dos russos (e ironicamente o governo Obama nem está tão distante desta postura).

No entanto, basta ver o que está acontecendo em Aleppo para medir melhor a profundidade do buraco. Rebeldes romperam o cerco na parte controlada pelo regime Assad naquela que já foi a maior cidade síria e isto depois de incessantes bombardeios aéros russos e a resistência do Hezbollah, o grupo terrorista libanês que apoia Assad.

Os russos e Assad fizeram o possível para enfraquecer rebeldes mais moderados apoiados pelos EUA e desta nova fase da batalha em Aleppo emergem ainda mais fortes os grupos jihadistas da pesada (que, por sinal, são rivais do Estado Islâmico).

O avanço rebelde em Aleppo foi em parte bem sucedido por ataques suicidas de “mártires” da Frente de Conquista da Síria, o novo nome da Frente Nusra, que anunciou o fim dos seus laços formais com a rede Al Qaeda, mas não renegou a sua barbárie.

No tabuleiro sírio, peões não param de serem sacrificados, mas ninguém está em condições de dar um xeque-mate. É um engano achar que o jogo termina com uma derrota do Estado Islâmico que, de fato, perde espaço no tabuleiro, enquanto outras peças jihadistas avançam.

A Síria afunda cada vez mais e do fundo devem emergir mais nadadoras como Yusra Mardini.

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