Editorial – Acordo do MP com Machado é indecente e tem de ser revisto; a Lava-Jato não pode ter bandidos de estimação

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 21/06/2016 14h29
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Brasília - O ex-presidente da Transpetro, Sergio Machado é alvo da Operação Catilinárias, onde a PF cumpre mandados no Distrito Federal e em sete estados (Foto: /Agência Petrobras) Agência Petrobras Sérgio Machado - Ag. Petrobras

Com que autoridade o senhor Sérgio Machado sai acusando Deus e o mundo, incidindo, logo à partida, como deveriam testemunhar os jornalistas que cobriam o Congresso em 1998, em mentiras grotescas? Ora, com a autoridade de um bandido, que, confessamente, assaltou os cofres públicos, de maneira continuada, durante 12 anos. Fez da Transpetro, que é patrimônio coletivo, fonte de enriquecimento pessoal e de traficância política. Tanto é assim que, sem ficar pobre, cercado de todo o conforto, vai devolver aos cofres públicos R$ 75 milhões.

Só um esclarecimento para quem não lembra: apelei aos jornalistas que cobriam o Congresso em 1998 porque este senhor afirma, em sua delação, que, naquele ano, o PSDB montou um esquema com dinheiro ilegal para eleger ao menos 50 deputados, que deveriam depois fazer Aécio Neves presidente da Câmara — o que só aconteceu em 2001. Qualquer um que acompanhava os bastidores da política naquele tempo sabe que isso é uma grossa besteira.

Até agora, ninguém, a não ser este escriba, ousou dizer isso porque fica parecendo que está sabotando a Lava-Jato. Como já superei a fase de me importar com o que dizem a meu respeito e tenho o luxo de só dever satisfações à minha consciência, então digo.  A santidade a que alguns procuradores aspiram parece contaminar também os delatores.

Todo apoio à Lava-Jato! Que ninguém toque na Lava-Jato! Que a operação siga fazendo o seu trabalho! Ao menor sinal de REAL INTERFERÊNCIA, NÃO DE TRAMOIA INDUSTRIADA, que se bote a boca no trombone. Mas que ela siga a lei e não se desborde, ela também, da moralidade. Afinal de contas, não parece ser um bom caminho um sistema que, para punir bandidos, acaba criando uma casta de bandidos.

O acordo feito pelo Ministério Público Federal com Sérgio Machado é inaceitável. Simplesmente assim. Este senhor, um dos mais agressivos bandidos desnudados pela Lava-Jato, não conheceu o cárcere nem um dia sequer. Outros, que manipularam somas muito menores, amargaram meses de xilindró. Ele não! Tudo indica que falou o que queriam que falasse; que contou o que queriam que contasse; que acusou os que queriam que acusasse. E lhe restou, ao fim e ao cabo, uma pena de três anos numa gaiola de ouro.

Vai ficar encerrado numa mansão com piscina e quadra poliesportiva numa parte do litoral cearense chamada, ironicamente, de Praia do Futuro. Em muitos aspectos, ninguém é mais passado do que ele. Seu pai, Expedito Machado da Ponte, que foi deputado e ministro de João Goulart, esteve na leva de políticos cassados em 1964 porque acusados de corrupção, não em razão de alinhamento ideológico. Mas volto ao ponto.

O espantoso é que, além de Machado ter conseguido garantir para si uma vida de nababo, dois de seus três filhos comprovadamente envolvidos em falcatruas, não serão nem sequer processados. Nada! O Ministério Público, sabe-se lá com que autoridade, lhes concedeu uma anistia prévia. Convenham: Machado não é exatamente um homem de bem, certo? Não é um monumento à moralidade nacional. O que mais poderia querer depois de ter sido flagrado? Três aninhos encarrado em uma mansão, com direito a conviver com 27 pessoas (incluindo um padre), e a garantia de ficha limpa para seus filhotes.

Não é o único a viver no  “dolce far niente”. Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco — aquele que decidiu devolver US$ 97 milhões — experimentam situação parecida. Outro dia alguém viu Barusco num condomínio de luxo, com um copo de uísque na mão e um charuto. Mais um pouco, ele vestia uma casaca, punha uma cartola na cabeça e virava uma caricatura.

AGU
Caberia à Advocacia Geral da União recorrer contra esses claros abusos que estão sendo praticados pelo Ministério Público. Isso já não é delação premiada. Isso é demonstrar, na prática, que o crime compensa. Mas sei que a AGU não vai fazer nada porque logo apareceria um procurador para acusá-la de estar tentando impedir a delação premiada.

Espero que pessoas e entidades entrem com uma Ação Popular contra acordos dessa natureza — em especial, reitero, àquele feito por Sérgio Machado. Cabe também ao ministro Teori Zavascki, relator do petrolão e homem que homologa as delações, refletir a respeito. Esses acordos não podem chafurdar na mais escandalosa imoralidade em nome da moralidade.

Ah, tivesse Machado se apresentado espontaneamente, sem que fosse ao menos um investigado, num ato de contrição e arrependimento, e eu estaria aqui a defender pra ele cadeia nenhuma. Mas não foi isso, não! Ele só se lembrou de ficar com vontade de ser um homem decente quando a Lava-Jato realizou em sua casa um mandado de busca e apreensão.

Aí passou a ser, então, uma espécie de colaborador da operação. A mais recente gravação que fez, que veio a público, evidencia com clareza solar que ele tenta colocar palavras na boca de seus interlocutores. Afinal de contas, quem traiu seu país não seria fiel a seus parceiros de trajetória: ele sabia o que estava fazendo: cavando a impunidade para si e para dois de seus três filhos, comprovadamente metidos em falcatruas.

É preciso rever a pena de Machado se não se quer fazer da Lava-Jato, também, um mecanismo que, de fato, premia bandidos.

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