Editorial – Cuidado com leis, salsichas e notícias em tempos de redes sociais

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 17/03/2017 14h24
PR - OPERAÇÃO-CARNE-FRACA-SEDE-PF - GERAL - Movimentação de policiais na sede da Polícia Federal em Curitiba (PR) com a chegada de documentos apreendidos pela Operação Carne Fraca, deflagrada nesta sexta-feira (17). Policiais federais estão cumprindo 309 mandados judiciais, sendo 27 de prisão preventiva, 11 de prisão temporária, 77 de condução coercitiva e 194 de busca e apreensão dos investigados. 17/03/2017 - Foto: RODRIGO FÉLIX LEAL/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO RODRIGO FÉLIX LEAL/ESTADÃO CONTEÚDO Operação Carne Fraca - AE

Hoje, mais do que nunca, é preciso adaptar frase atribuída a Otto von Bismarck (1815-1898): “Leis são como salsichas; é melhor não saber como são feitas”. Em algumas citações, aparece um outro elemento ao lado das salsichas: os jornais. A fala completa ficaria assim: “Leis são como salsichas e jornais; é melhor não saber como são feitos”. Bem, Bismarck não era do tipo que gostasse de imprensa — ou melhor ainda: de crítica. A exemplo de todo governante (ou de toda gente?), deveria apreciar os elogios.

Em tempos de redes sociais — e subsiste, sim, gloriosamente, uma imprensa séria —, não duvido de que aquilo a que se chama “notícia” traz muito mais impurezas do que as salsichas. Quase aposto que estas, na média, têm uma qualidade superior àquelas. Mais: como sabemos, também desta vez, a investigação acaba de ser deflagrada, mas as condenações já estão em curso.  O país parece viciado em sacanagem e em linchamento. Vivemos um mau momento cultural — refiro-me à cultura democrática.

Segundo fio

Largo este fio por um tempo para pegar um outro da meada. Depois eu os uno. A JBS, como veem, ocupa o centro do noticiário por razões óbvias. É a gigante nacional — e internacional — do setor, um dos grupos que mais fazem doações para campanhas, íntimo das linhas de financiamento do BNDES. Um destino contínuo parece atingir, se vocês notarem bem, os gigantes criados na era petista, com inequívoca ajuda estatal: Odebrecht, Oi, Eike Batista, JBS… Não prejulgo nada. Os leitores sabem que não faço isso. Mas não dá para ignorar que as evidências de relações não republicanas vão se multiplicando, não é?

Qual é o problema no fundo? Acho que atende pelo nome de capitalismo de estado, com suas múltiplas faces, distintas e combinadas. As empresas estatais, obviamente, fazem parte disso e estão no centro do escândalo do petrolão. A tentativa de criar “players” globais que, depois, se transformavam em sócios da política nacional também se revela aí, e parece ser esse o caso de JBS, Oi e Odebrecht. Tudo errado! Deus do céu! Em certo sentido, ainda precisamos fazer uma revolução burguesa. Sim, foi o petismo que nos fez regredir a esse estágio.

Os estudiosos sabem que esse modelo de capitalismo de estado, com a eleição de “amigos do rei” e a participação de conglomerados em sociedade com o poder político, está muito mais para a economia de um regime fascista do que de um regime liberal. Repudia-se o estado regulador. Na verdade, ele se torna sócio do capital privado, e seus anéis burocráticos — fiscais formam um deles — se encarregam de criar seus próprios círculos de burla e interesse.

É esse estado que precisa ser desmontado. É esse estado que deveria agora estar sendo desconstruído. Em vez disso, estamos nos perdendo, como país, na simples demonização da política — que sai, mais uma vez, toda lanhada. Vejam lá. Fiscais estariam atuando para partidos políticos.

Reunindo os fios

Esse estado que é sócio, gestor e corruptor se torna necessariamente lasso, fraco, relaxado, na fiscalização. Ou, pior ainda, torna-se forte para praticar extorsão. Sim, é preciso tomar cuidado. É preciso lembrar como trabalha o setor. Gigantes como JBS e BRF trabalham com frigoríficos associados. Há um risco de a sua marca estar numa determinada carne sem que a empresa tenha exatamente controle do que está sendo feito. Há ainda a possibilidade de os casos mais escabrosos não estarem mesmo relacionados às grandes marcas.

Não estou livrando a cara de ninguém  — até porque, do ponto de vista legal, isso seria irrelevante porque, nessa área, a responsabilização objetiva existe. Apenas cumpre lembrar como as coisas funcionam.

Péssimo!

É claro que é uma péssima notícia para o Brasil. O Brasil é um dos líderes mundiais na exportação de carne — é o líder na carne de frango, por exemplo. Teve de enfrentar ao longo dos anos as barreiras protecionistas as mais explícitas, travestidas de barreiras sanitárias. Conseguiu vencer os obstáculos e se tornar um gigante mundial. O agronegócio — e a pecuária em particular — impediu o país de mergulhar num abismo sem retorno. Os superávits da balança comercial dos anos Lula, que permitiram ao partido articular algumas de suas ditas “políticas sociais”, foram garantidos pelo agronegócio. Quando a equação se inverteu, o setor continuou no azul, mas o setores industrial e de serviços afundaram.

Sim, isso pode ter um impacto negativo na exportação, até porque se investiga se carne adulterada não chegou a ser vendida para outros países. É lamentável e melancólico.

Dá pra sair dessa areia? Dá, sim! Temos de criar as bases de um estado regulador, eficiente na fiscalização, que não queira ser nem sócio nem tutor do capitalismo nacional. A questão, no fim das contas, é política.

E nós vamos mal de política, como se sabe.

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