Editorial – Dom Paulo tinha a grande virtude: a coragem da prudência

  • Por Reinaldo Azevedo/ Jovem Pan
  • 14/12/2016 14h10
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São Paulo - Lideranças na defesa dos direitos humanos homenageam os 95 anos de Dom Paulo Evaristo Arns em evento na Pontifícia Universidade Católica (PUC) (Rovena Rosa/Agência Brasil) Rovena Rosa/Agência Brasil Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns durante homenagem por lideranças na defesa dos direitos humanos na PUC em outubro

Dom Paulo Evaristo Arns, que morreu nesta quarta, aos 95 anos, é uma espécie de besta-fera para a direita troglodita em razão de seu inequívoco alinhamento ideológico à esquerda, sempre se entendendo essa esquerda nos limites dos fundamentos da doutrina social da Igreja. A exemplo de outros religiosos, ainda que sem integrar uma militância ativa, está na raiz, por exemplo, da fundação do PT. Mas isso não se deve tomar a valor presente. Há de se ver em que circunstâncias se criou aquele partido. Há de se relevar o fim da ditadura; há de se pôr na equação a forma como se deu a transição para a democracia.

Seus postulados dentro do catolicismo, admito, não eram os meus. Com alguma frequência, o franciscano Arns deixava-se encantar por simplismos teológicos, acho eu, que não eram exatamente exemplos da simplicidade dos puros. E não que o fizesse por ignorância. Ao contrário! Dom Paulo era um intelectual, um homem de cultura refinada. Mas a sua longa, pertinaz e meritória luta contra a ditadura o fez, muitas vezes, flertar com facilidades teológicas que estavam muito longe de sua capacidade de elaboração e reflexão.

Não acho que isso tisne minimamente a trajetória do religioso convicto, que, em momentos cruciais de nossa história, exibiu aquela que é maior de todas as virtudes: a coragem dos prudentes. E o fez também porque cristão.

Quanto isto era muito perigoso, Dom Paulo disse ao Brasil e ao mundo que o corpo do homem é a morada do espírito de Deus. Ou por outra: ao pôr a sua voz serena contra a tortura, divinizou o corpo para preservá-lo da brutalidade que expropria os indivíduos de sua… humanidade.

Criou em 1972 a Comissão Justiça e Paz em São Paulo e reuniu, em sigilo, em companhia do pastor presbiteriano Jaime Wright, as informações sobre os mortos e desaparecidos da ditadura, que resultaram depois no projeto “Brasil Nunca Mais”. Nos anos mais duros do regime, celebrou na catedral da Sé missas que valiam por um grito de protesto: em 1973, em memória do estudante Alexandre Vannucchi Leme; em 1975, no ato ecumênico em homenagem ao jornalista Vladimir Herzog, assassinado nos porões do DOI-CODI.

Dom Paulo era um religioso disciplinado. A sua militância em favor das CPauloomunidades Eclesiais de Base e da doutrina social da Igreja, em favor de um catolicismo voltado principalmente aos humildes, aos desvalidos, aos necessitados jamais se confundiu com a quebra da hierarquia ou com a depredação da instituição. Concorde-se ou não com seus postulados, não era a vaidade intelectual ou política que o movia, mas a serena convicção de que amar a Sua criatura, e protegê-la, é a forma superior de amar a Deus sobre todas as coisas.

Felizmente, viveu o bastante para fazer história e, sobretudo, para mudar o seu rumo.

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