Editorial – Doria, Troféu Orelha de Ouro da esquerda e “nulla die sine linea”
Ai, ai, ai…
Começo com uma frase minha, né? “Ironia não pode ter nota de rodapé — ou é alfafa”.
Logo, esta não terá.
Vejam este vídeo.
Eu, hein!? Será que o prefeito de São Paulo (PSDB), João Doria, contratou a Amazon e alguns petistas para o elegerem presidente da República no Primeiro Turno?
Que fique o registro em texto. O prefeito entregava unidades do “Minha Casa Minha Vida”, feitas em parceria com o município e o Estado. O governador Geraldo Alckmin (SP) está sentado na fila de autoridades. Doria discursa e destaca que a titularidade das casas é das mulheres, prática instituída no Estado de São Paulo por Mário Covas. E diz “A força da mulher, Bruno [Covas], ninguém segura”.
Ouve-se, então, uma voz oriunda da plateia. Não aparece a imagem do sujeito. Interrompe o prefeito e grita: “Força da Dilma para fazer as casas”. E, suponho, não consegui ouvir, o mesmo rapaz ou alguém que o acompanhava deve dito a palavra “golpista”.
O prefeito, então, afirmou em tom muito enérgico:
“Olhe aqui, vou dizer pra você, que veio aqui para tentar estragar a festa destas famílias, que elas não estão de acordo com você, não! Golpista é quem rouba o dinheiro público. Golpista é quem rouba o povo (…). Vai embora procurar sua turma. Vai procurar sua turma lá em Curitiba. O povo sabe quem é honesto e quem é decente. Sabe ou não sabe? Vai procurar sua turma em Curitiba”.
Convenham, né?, o esquerdista que foi ao evento merece o Troféu Orelhas de Ouro.
Mais umas “petezadas” dessas e mais algumas campanhas publicitárias “descoladas”, como a da Amazon, e Dória se elege presidente no primeiro turno, não é mesmo?
A parte e o todo
Gregório de Mattos tem um daqueles poemas cultistas, cheio de jogos de palavras, típicos do Barroco, mas que traz um conceito — e, nesse caso, o texto é também “conceptista”. A primeira estrofe é assim:
“O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo.”
Pode reler, caros, que faz sentido. O poema inteiro está aqui.
Observem que um evento em si pequeno, feito para gerar notícia de rodapé, se transforma num fenômeno de audiência nas redes sociais e ganha destaque na grande imprensa em razão da “colaboração” de um esquerdista.
E que história é essa de “parte” e de “todo”, Reinaldo? Ora, notem que a fala de Doria repete o seu discurso de campanha.
Desde o começo, ele escolheu a separação dos campos ideológicos; acatou o “eles” contra “nós” inventado pelo petismo, só que deu a essa polarização, por óbvio, um conteúdo distinto.
O marketing convencional recomendaria, num caso como esse, que o prefeito ou ignorasse a provocação ou, sei lá, tentasse condescender: “Respeito a sua opinião, mas…” Não foi esse o tratamento. Manda o rapaz “procurar a sua turma”. Ora, na parte, está o todo. A recomendação, na verdade, é dirigida a todos os esquerdistas. Seja lá qual for o futuro político imediato ou remoto do prefeito, ele sabe que não contará com o apoio das esquerdas. Ele se apresenta como o outro polo.
Isso é linguagem de quem está, obviamente, se preparando para a batalha. Se será ele o cavaleiro de um dos lados da disputa, bem, isso não dá para saber por enquanto. Uma coisa me parece certa: está com os ponteiros ajustados para isso. Os neurônios e suas substâncias, que respondem, respectivamente, pelo ataque e pela defesa estão atuando em parceria, de forma coordenada.
A pessoa que cuida do marketing da Amazon resolveu dispensar, em publicidade, tratamento negativo a uma das iniciativas mais populares do prefeito: apagar pichações. Doria cobrou que a empresa fizesse doações à cidade. A coisa se alastrou. A Amazon anunciou que vai entregar aparelhos Kindle “para instituições que promovem cultura e educação”. E também liberou o download de alguns livros.
Nulla dia sine linea
Plínio, o Velho, historiador, geógrafo e gramático latino, recomendou a um pintor que considerava meio preguiçoso, falando de sua própria experiência: “Nulla die sine linea”: ou: “Nenhum dia sem ao menos uma linha”. Vale dizer: quem vive de escrever tem de fazê-lo todos os dias. Quem vive de pintar, idem.
Doria parece seguir o ensinamento de Plínio, o Velho: nenhum dia sem um acontecimento.
Assim é na política.
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