Editorial – É claro que defendo que Bolsonaro seja punido por frase sobre estupro

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 22/06/2016 15h23
Brasília - Entrevista com o deputado Bolsonaro, durante a votação do Impeachment da presidente Dilma Rousseff (Valter Campanato/Agência Brasil) Valter Campanato/Agência Brasil Jair Bolsonaro - ABR

Vamos lá. Aqui, como sabem os leitores, se diz tudo, sem medo de aborrecer. O Supremo transformou o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) em réu por incitação ao crime de estupro. A denúncia foi oferecida pela Procuradoria-Geral da República e aceita pela primeira turma do Supremo por 4 a 1. Só Marco Aurélio votou contra. Manifestaram-se a favor da ação Luiz Fux (relator), Roberto Barroso, Rosa Weber e Edson Fachin. Se eu estivesse na turma, teria seguido a maioria. Vale dizer: acho que o Supremo está certo em mandar dar continuidade ao processo. Vamos nos lembrar.

No dia 9 de dezembro de 2014, Bolsonaro protestava contra algumas conclusões que eu também considerava absurdas da chamada “Comissão da Verdade”, que havia se transformado numa patuscada revanchista. Quando discursava, a deputada Maria do Rosário (PT-RS), uma das parlamentares que tenho entre as mais desagradáveis da Câmara, levantou-se para sair. E o deputado disparou: “Não saia, não, Maria do Rosário, fique aí! Há poucos dias, você me chamou de estuprador no Salão Verde, e eu falei que eu não estuprava você porque você não merece. Fique aqui para ouvir”.

O que penso a respeito, escrevi à época. É claro que se trata de uma fala inaceitável e que, entendo, não está protegida pela imunidade parlamentar. Infelizmente para o deputado, as palavras fazem sentido. E SE TRATA, SIM, DE UMA INCITAÇÃO, AINDA QUE VELADA, AO ESTUPRO. E É FÁCIL ENTENDER POR QUÊ.

Bolsonaro considera Maria do Rosário desprezível, certo? Tão desprezível, diz ele, que não mereceria nem mesmo ser estuprada. Logo, para este senhor, sofrer um estupro é um merecimento de quem exibe as devidas qualidades para tanto. Quais, senhor parlamentar? Quando é que uma mulher “MERECE” ser estuprada?

É uma fala asquerosa, pela qual, que eu saiba, ele nem mesmo se desculpou. Tem de ser processado, sim! Quando menos para que, ao se defender, esclareça o que quis dizer quando associou estupro a algo meritocrático.

Questão antiga
A questão é antiga. Quando Bolsonaro disse “há poucos dias, você me chamou de estuprador”, estava sendo impreciso. Isso tinha acontecido em 2003, HAVIA JÁ, PORTANTO, 11 ANOS. Vejam o vídeo.

Em 2003, foi Maria do Rosário quem primeiro ofendeu o adversário — como ela costuma fazer, diga-se. A petista interrompeu uma entrevista que Bolsonaro concedia à Rede TV!, em que defendia a maioridade penal aos 16 anos, e o chamou de “estuprador”.

É evidente que se trata de uma boçalidade e de um crime. Ocorre que a resposta de Bolsonaro, naquele 2003, foi também boçal (e ele viria a repetir a frase 11 anos depois):
— Eu jamais iria estuprar você porque você não merece.
Ela o ameaçou com uma bofetada:
— Olhe eu que lhe dou uma bofetada!
— Dá, que eu lhe dou outra.

E, na sequência do bate-boca, o deputado acabou por xingar Maria do Rosário de “vagabunda”. Então tá! Ela pode chamar um colega de “estuprador”? Não! Ele pode afirmar que o estupro é matéria de “merecimento” — e, o que é mais estarrecedor, nota-se que ele trata essa violência como uma distinção positiva? É claro que não! Está tudo errado.

Um disparate de ambos! Digamos que eu considere a dupla, para usar uma expressão de uma jornalista amiga, “impróprios para o consumo humano”.

Mas, vá lá, no calor da hora, Maria do Rosário optou pela canalhice e o chamou de “estuprador”; ele deu uma resposta igualmente canalha.

O que justifica, no entanto, que 11 anos depois, Bolsonaro repita a mesma agressão, do nada? Ah, vai ter de dizer ao tribunal se acha que estupro é matéria de merecimento. Se disser que sim, então tem de ser punido, não é? E de perder o mandato. Se disser que não, tem a chance, quem sabe?, de se desculpar. Afinal, a ofensa que ele pratica é coletiva.

Bem entendido, a agressão não está em dizer que Maria do Rosário não merece ser estuprada, mas em sugerir, então, que muitas mulheres, que Maria do Rosário não são, merecem.

Eis uma evidência que os, digamos, “bolsonaretes” não conseguem negar, não importa a que falácia se apeguem ou a que argumento apelem, saído da pena do “çábio” construtor de falácias.

Para encerrar
Há dias entrei num debate renhido aqui e em toda parte sobre a chamada “cultura do estupro”. É claro que se trata de uma farsa inventada pelas esquerdas supostamente modernizadas. Queriam só fazer um pouco de política. Por que os mesmos setores não se mobilizaram em defesa da garota que foi violentada por quatro menores no Piauí? Não se ouviu um pio.

Inexiste cultura do estupro no país. Isso é só coisa de militância destrambelhada. O fato de eu ter essa opinião não deve se confundir com a defesa da impunidade para pessoas que dizem as boçalidades que diz Bolsonaro.

A mulher que concordar com o deputado tem de concordar que, sob certas circunstâncias, qualquer mulher “merece” ser estuprada, inclusive ela própria. O homem que concordar com Bolsonaro terá de concordar que, sob certas circunstâncias, sua própria parceira, filha ou mãe merecem ser estupradas. Mais do que isso: terá de concordar que, sob condições tais e quais, qualquer homem pode dar o que a tal mulher “merece” — sendo, pois, um estuprador em potencial.

Bolsonaro não tem saída. Poderia se desculpar para ver se consegue limpar a sua barra. Mas ele e seus seguidores são valentões demais pra isso.

Espero que a Justiça faça a sua parte e puna Bolsonaro.

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.