Editorial – Fachin manda prender quem Lewandowski mandou soltar. Entenda o imbróglio no detalhe
E um caso que divide o STF e gera controvérsias imensas no meio jurídico voltou a esquentar nesta quinta-feira: a prisão de alguém condenado em segunda instância, antes que se esgotem todos os recursos — vale dizer, antes de a sentença ser considerada transitada em julgado.
Ao ponto: o ministro Edson Fachin cassou uma liminar concedida por Ricardo Lewandowski, presidente do tribunal, durante o recesso do Judiciário, e determinou a volta à prisão do prefeito José Vieira da Silva, de Marizópolis, no interior da Paraíba, já condenado em segunda instância.
Já expus aqui a origem do debate. Relembro.
Histórico
No dia 17 de fevereiro deste ano, por 7 votos a 4, a Corte mudou entendimento anterior e decidiu que os tribunais de segunda instância PODEM — NÃO QUER DIZER QUE SEJAM OBRIGADOS — mandar executar a sentença. Em caso de prisão, o recurso ao tribunal superior dar-se-ia com a pessoa já na cadeia.
Muito bem. A decisão tomada no dia 17 não era vinculante. O que disso quer dizer? Explico. Votações que têm por base a interpretação da Constituição terão de ser aplicadas a todos os casos semelhantes e por todos os tribunais. Estão nessa categoria a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). O Supremo pode ainda emitir uma Súmula Vinculante a partir de determinada decisão.
As demais ações julgadas pelo tribunal não têm esse caráter. É o caso, entre outros, de mandado de segurança, recurso extraordinário e habeas corpus. Aquela decisão do dia 17, que autorizou a execução da pena já a partir da condenação em segunda instância, dizia respeito a um habeas corpus. Logo, os tribunais inferiores não estavam obrigados a segui-la — vale dizer: um Tribunal de Justiça ou um Tribunal Regional Federal não estavam obrigados a mandar executar a sentença –, mas podiam fazê-lo se assim entendessem. E um ministro do próprio STF, DO PONTO DE VISTA TÉCNICO, FORMAL, não se obriga a repetir o padrão em casos outros.
Ocorre que a praxe no tribunal é seguir o chamado princípio da colegialidade: aquilo que a maioria decidiu, ainda que em ações sem efeito vinculante, acaba sendo acatado pelos ministros individualmente, havendo sempre a possibilidade de o colegiado mudar o que decidira antes.
Celso de Mello
Muito bem! Aquela decisão por maioria, do dia 17, contou com quatro votos divergentes: Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.
A exemplo de Lewandowski, o próprio Celso já havia determinado a soltura de outro preso condenado em segunda instância. Vale dizer: nem os ministros do Supremo estão obrigados a seguir aquela decisão.
De volta a Fachin
Mesmo reconhecendo que a votação do dia 17 não tinha o caráter vinculante, Fachin considerou que os ministros estavam fazendo uma avaliação de caráter geral, não apenas ligada ao caso que estava em julgamento. Em nome do que chamou “estabilidade da jurisprudência”, cassou a decisão de Lewandowski.
Palavra final
Bem, o STF terá de se debruçar de novo sobre a questão. E, aí sim, com efeito vinculante. O Partido Ecológico Nacional (PEN) apelou ao tribunal com uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) pedindo que a Corte declare constitucional o Artigo 283 do Código de Processo Penal que prevê a execução da pena depois do trânsito em julgado. E a OAB recorreu por meio de uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental).
Se os sete votos daquele habeas corpus se mantiverem, a questão estará liquidada. E a pena, mesmo a de prisão, PODERÁ SER EXECUTADA JÁ COM A CODENAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA. Atenção para o verbo! “Poderá”. Não quer dizer que necessariamente será.
Aquele placar foi de sete a quatro. Pelo menos dois ministros teriam de mudar de opinião para inverter o resultado. Especulava-se que Fachin poderia ser um deles. Pelo visto, não será.
Para encerrar
O debate repercute na Lava-Jato. A possibilidade de alguém ser preso já a partir da condenação em segunda instância, considera-se, teve papel relevante na decisão de alguns investigados de fazer a delação premiada.
Avalia-se que muitos deles apostavam nos recursos protelatórios até que o processo chegasse à ultima instância. Dada, no entanto, a certeza de que a prisão seria mesmo antecipada, muitos teriam decidido colaborar com a investigação em troca da redução da pena.
O debate é bom. A Constituição reconhece a presunção da inocência, e o Artigo 283 do Código de Processo Penal prevê que alguém só pode ser preso em quatro circunstâncias:
1) flagrante;
2) prisão temporária;
3) prisão preventiva;
4) sentença condenatória transitada em julgado.
O que fazer quando a letra da lei é serva da impunidade?
Eu ainda acho que é preferível mudar a lei a descumpri-la.
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