Editorial – Juízes, inclusive Moro, erram ao fazer carga contra projeto que pune abuso de autoridade

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 02/08/2016 14h47
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Brasília- DF- Brasil- 07/04/2015- O juiz federal Sérgio Moro participa de apresentação de um conjunto de medidas contra a impunidade e pela efetividade da Justiça, na sede Associação dos Juízes Federais do Brasil (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil) Agência Brasil/Fabio Rodrigues Pozzebom Sérgio Moro - Agência Brasil

Algo está fora da ordem quando os Poderes da República não respeitam suas devidas competências. Vamos lá: uma das razões de ser deste programa é dizer o que pensa sem entrar no clima de “abafa”. A página existe para ponderar, modular, detalhar… Não sou líder de torcida. Acho lamentável quando pessoas que prestam serviços relevantes, cumprindo o seu dever funcional, resolvem ir além da seara que a democracia lhes reserva para fazer proselitismo indevido. Vamos ver.

Nesta segunda, magistrados liderados pela Ajufe (Associação dos Juízes Federais), procuradores e delegados da Polícia Federal promoveram uma manifestação de protesto contra a lei que pune abuso de autoridade — QUE EXISTE EM TODAS AS DEMOCRACIAS DIGNAS DESSE NOME. Aliás, o Brasil também tem a sua, a 4.898, de 9 de dezembro de 1965, uma herança da ditadura, quando abuso de autoridade não chegava a ser um problema. O ato aconteceu em frente ao Fórum Pedro Lessa, na Avenida Paulista.

O texto que pune o abuso de autoridade voltou a tramitar, desta vez no Senado, por iniciativa de Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente da Casa. Como ele é investigado em pelo menos 11 inquéritos, então se convencionou que tudo o que propõe é ruim e visa à impunidade.

Na quinta-feira passada, Sergio Moro, que não agrediu os “direitos humanos de Lula”, também protestou em Curitiba contra a proposta. Estão todos, a meu ver, errados e atuando fora de sua competência. Explico.

Vamos lá. Em 2009, o ministro do STF Gilmar Mendes, então, presidente do tribunal, formou uma comissão para elaborar uma proposta para atualizar a lei que pune abuso de autoridade. Integraram o grupo, vejam vocês!, o à época ministro do STJ Teori Zavascki (hoje relator do mensalão), o então desembargador Rui Stocco, o ex-secretário da Receita Everardo Maciel e Luciano Felício Fuck, antes e ainda hoje um dos principais assessores de Mendes.

O trabalho dessa comissão virou um projeto de lei, assinado pelo então deputado Raul Jungmann (PPS-PE), hoje ministro da Defesa. Não custa lembrar que ele compôs a linha de frente na Câmara em favor do impeachment. Ocorre que o texto ficou dormitando na Casa. Nunca se deu consequência a ele. Renan apenas o recuperou. EU ACHO QUE VOCÊS NÃO DEVEM SE LIMITAR À MINHA OPINIÃO, À DE MORO OU À DA AJUFE: LEIAM O PROJETO. A íntegra está aqui.

O presidente da Ajufe, Roberto Carvalho Veloso, disse o seguinte à Folha: “Segundo o projeto, se o juiz entender que há requisitos para decretação de uma prisão preventiva, mas o tribunal entender que não é caso de prisão, e conceder habeas corpus, pela leitura do tipo penal contido no projeto, o juiz teria cometido um crime”.

Bem, li e reli a proposta e não encontrei a passagem que permite tal interpretação. É uma pena que a imprensa reproduza essas opiniões sem pedir ao interlocutor que indique que dispositivo permitiria a punição de um juiz cuja decisão tivesse sido tornada sem efeito pelo colegiado.

Moro também mandou mal. Segundo ele, “ninguém é contra que o abuso de autoridade seja penalizado. Mas a redação atual do projeto, pela vagueza e abrangência, criminaliza o juiz pela interpretação da lei”.

Farei a Moro a mesma cobrança: que indique onde isso está escrito.

Procedimentos
Há certos procedimentos que começam a ser irritantes, em especial na imprensa. Em casos assim, não basta reproduzir opiniões e fazer uma biografia desairosa — ou airosa — dos litigantes para dar o trabalho por concluído.

Eu certamente me oporia a um projeto que punisse um juiz que teve uma decisão reformada por um colegiado. Eu certamente me oporia a um projeto que impedisse o juiz de interpretar a lei — até porque isso o tornaria dispensável. Interpretação, no caso, bem entendido, com base na letra legal: a Maior e as menores.

O que me preocupa é que o debate perde completamente qualquer veleidade técnica para se transformar numa suposta disputa entre os que defendem a impunidade e os que são contra ela. E ESSE, INFELIZMENTE, É UM DEBATE FALSO.

Seria prudente que os jornalistas fossem cumprir uma pauta como essa com o texto em mãos. Quando um juiz ou qualquer outro fizesse acusação tão séria contra uma proposta, dever-se-ia cobrar que ele apontasse que trecho do projeto justifica aquela avaliação.

Ou começamos a nos voltar um pouco para as coisas que estão escritas, conferindo alguma objetividade à análise, ou todos tentaremos ganhar o debate no berro, como se o mundo se resumisse a uma luta entre bonzinhos e mauzinhos.

Ora, todos nós torcemos pelos bonzinhos, certo? Infelizmente, ou felizmente, a realidade não é assim.

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