Editorial – Moro erra ao criticar dois Poderes da República em solo estrangeiro
O juiz Sergio Moro está acostumado a ouvir críticas oriundas só de petistas, não é mesmo? Quase sempre, os caras e as caras estão apenas esperneando para ver se conseguem se livrar da cadeia. Afinal, boa parte deles sabe muito bem o que fez no verão passado.
Bem, eu não estou na Lava Jato, não roubei dinheiro público, vivo dos meus empregos, apanho dos petistas há muito mais tempo e sou aquilo que nem Moro nem os procuradores são: adversários ideológicos do PT. Na verdade, na esfera das mentalidades, excetuando-se o comportamento criminoso dos companheiros, vejo algo de “petismo oitentista” na Lava Jato — oriundo da década de 80, mais ou menos como certas correntes religiosas tradicionalistas voltam às vezes às suas origens para resgatar a pureza.
Moro está acostumado a ser contestado por Marilena Chaui e pelos candidatos a vaga na Papuda. Não sou nem uma coisa nem outra e apoio a Lava Jato. Mas apoio os seus acertos. Não estou querendo ser nem óbvio nem engraçadinho. Com isso, afirmo que esta também comete erros. E isso não é menos verdade para o juiz.
Ele participou nesta quinta de um evento no centro de estudos Wilson Center, em Washington. Falou da Lava Jato a uma plateia formada por muitos brasileiros. Segundo informa a Folha, criticou a omissão do governo federal e no Congresso na luta contra a corrupção.
Bem, de saída, noto um erro de procedimento. Não faz sentido o juiz que conduz a mais importante investigação da história do país criticar dois Poderes constituídos em terra estrangeira, ainda que a plateia fosse formada apenas por brasileiros. Não é o caminho.
Segundo o jornal, disse ele:
“Até agora, o Poder Executivo e o Congresso não fizeram uma contribuição significativa para os esforços do Brasil na luta contra a corrupção. Por exemplo, eles poderiam ter proposto e aprovado leis melhores para prevenir a corrupção. Também poderiam ajudar os esforços dos agentes de Justiça de outras formas. Sua omissão é muito decepcionante. Para ser justo, o atual governo disse em várias oportunidades que apoia as investigações. Mas os brasileiros deveriam esperar mais que apoio em discursos.”
Já que Moro resolveu, nos EUA, entrar na economia interna da política brasileira, ele teria de dizer que tipo de ação esperaria. Até onde entendo, o Poder Executivo participa da força-tarefa por meio da Polícia Federal, que atuou e atua, ao que se saiba, com independência — e isso foi verdade mesmo na gestão petista, cumpre notar.
Parece-me que a largueza com que a Lava Jato atua, o número de inquéritos em curso, as delações feitas, a quantidade de investigados, um ex-presidente da Câmara a um passo da cassação, uma presidente da República na reta do impeachment, parte considerável do PIB tendo passado pela cadeia… Parece-me, enfim, que tudo isso está a indicar que os Poderes da República estão fazendo a sua parte, segundo o que lhes cabe fazer. A lei que instituiu a delação premiada foi uma contribuição conjunta do Executivo e do Legislativo e está na raiz do sucesso da Lava Jato.
Não tenho dúvida de que mais pode ser feito. O país está caminhando. Uma crítica dessa natureza, feita em solo estrangeiro, parece ser própria de quem se sente algo tolhido em seus movimentos. E aí me cumpre perguntar: tolhido exatamente por qual coisa? O juiz criticou a lentidão da Justiça, e nisto estamos de acordo, mas melhor faria se, em terras nativas, dissesse onde está o “x” da questão. Se não lhe falta apoio da sociedade, e não lhe falta, tampouco pode Moro reclamar da falta de suporte dos Poderes instituídos.
Segunda instância
O juiz elogiou uma decisão do Supremo que permitiu — a questão ainda terá seu mérito esmiuçado — a execução da pena já a partir da condenação em segunda instância:
“É uma espécie de revolução jurídica para casos complexos no Brasil. Nossa Suprema Corte demonstrou claramente com esse novo parecer, que entende completamente a conexão entre corrupção sistêmica e impunidade. Por esse parecer, ela merece muitos elogios e nossa gratidão coletiva”.
Com uma de suas intervenções, concordo plenamente, embora considere pouco:
“Vamos deixar claro: o governo é o principal responsável por criar um ambiente político e econômico livre de corrupção sistêmica. O governo, com maior visibilidade e poder, ensina pelo exemplo. Melhores leis podem ser aprovadas para melhorar a eficiência do sistema de Justiça criminal e aumentar a transparência e a previsibilidade das relações entre os setores público e privado, reduzindo incentivos e oportunidades para práticas corruptas”.
É uma verdade em tese que não tem como ser contestada. Mas eu tenho um senão a opor aí. Quanto maior for o estado, mais leis e mecanismos de defesa terão de ser criados e aplicados. Quanto mais se hipertrofia o estado, mais é preciso ampliar a burocracia para vigiá-lo.
Já que Moro falou como um livre pensador em Washington, eu o convido a refletir: sem um estado gigante, pantagruélico, feito para corromper, que tamanho teria a corrupção?
Para encerrar: quando está no Brasil, Moro fala pouco. Sugiro que faça o mesmo fora do país.
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