Editorial: No domingo, com saudade do futuro

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 11/03/2016 17h16
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Agencia Brasil Manifestação Brasília

Ninguém mais duvida de que já acabou. O governo Dilma chegou ao fim. Hoje, convenham, para fingir que ainda existe, depende apenas do PMDB. Se o partido desembarcar em bloco, a causa está encerrada. E nem precisa haver rompimento formal. Basta que a legenda declare a sua independência.

E aqui cabe uma pergunta muito objetiva aos peemedebistas: se até o PT, sem saída, já caiu fora, por que serão vocês a segurar a alça do caixão? Em nome de quê?

Mesmo as metáforas se cansaram da presidente e fugiram. Esperava-se estrondo, não veio nem suspiro. As coisas foram escorrendo, assim, pelo ralo, preguiçosa e fatalmente. Dilma não nos inspira nem discursos condoreiros. Sua incompetência pastosa não serve nem para animar discurso de resistência. Ela empobrece até a retórica dos adversários.

Neste domingo, muitos milhares sairão às ruas pedindo o seu impeachment. A indignação com a máquina cleptocrata é grande, claro! Mas o sentimento mais perceptível é de enfaro. Essa senhora nunca teve nada a dizer.

E, então, me dou conta de que não é ela. Algo mais está morrendo, se dispersando, nos abandonando, nos libertando…

Na sexta-feira passada, logo depois da condução coercitiva, Lula ainda nos ameaçou a todos com a ira da jararaca ferida no rabo, desafiando a que se lhe esmaguem a cabeça. Será esmagada, não duvidem. Mas o ponto que me interessa aqui nem é esse.

Seu discurso encantou a alguns cronistas políticos, os da minha idade ou mais velhos. Eu mesmo destaquei, em meu blog, sua habilidade retórica; sua fala organizada; sua capacidade de transformar a luta de classes num jogo de truco de botequim; seu dom narrativo que faz Marisa Letícia usar um decanter como se fosse um vaso; sua notável habilidade em exibir todas as suspeitas que há contra si como trunfos, sem responder a nenhuma –até porque respostas não há.

Quase fiquei, leitor, confesso, com saudade de Lula; do tempo em que eu tinha mais cabelo; da minha barba mais preta; dos meus leitores em número muito menor; das minhas reservas ao petismo, exibidas como um traço que alguns queriam esquizoide, já que tantos à minha volta anteviam amanhãs sorridentes onde eu só percebia falência moral e espancamento da lógica. Nota: eu não resistia por heroísmo. Como o artista da fome, de Kafka, era o que eu sabia fazer.

Na sexta, tive, admito, certa nostalgia do tempo em que Lula exibia um pouco mais de vigor; dos dias em que seu arranca-rabo de classes era ao menos legitimado pela ignorância de causa; daqueles anos, ainda precoces, das minhas contraposições ao petismo, com sua incrível capacidade de vulgarizar não apenas a história e a trajetória dos adversários, mas de rebaixar os desígnios pregressos da própria esquerda.

Fiquei com vontade de combater um Lula que fosse algo mais que um decrépito contador de histórias de um passado que ele reescreveu para justificar seu presente miserável. Quase gritei, irritado, diante da TV: “Deem-me um líder que ainda consiga levar porrada! Esse não serve!”.

E já não havia Lula nenhum. Olhei ao redor, pensei nos seus teóricos e justificadores, e tudo era mediocridade e irrelevância. Quase fiquei triste, quase fui tomado pela acídia, que, em Santo Agostinho, se não me engano, é definida como “entristecer-se do bem divino”, dada a pequenez dos anseios humanos…

Mas depois me animei. Como o garotinho do filme “O Sexto Sentido”, cansei de “ver gente morta o tempo todo”.

Eu vou para a rua no domingo. Estou é com saudade do futuro.

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