Editorial: O programa do PSDB na TV e o domínio da política

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 19/05/2015 19h00
Reprodução/Youtube Panelaço

Logo mais, no horário nobre da noite, vai ao ar, de novo, o programa político do PSDB. Sob o lema “Oposição a favor do Brasil”, o partido desfere um duro ataque ao governo da presidente Dilma Rousseff e ao PT. O senador Aécio Neves (MG), presidente da legenda, sintetiza: é preciso saber “quem roubou, quem mandou roubar e quem, sabendo de tudo, não fez nada para impedir”. Dá para tirar algumas dúvidas logo à partida. Vamos ver:

Quem roubou? A investigação já chegou a uma penca de nomes, não é?
– Quem, sabendo de tudo, não fez nada para impedir? É evidente que Aécio está se referindo à presidente Dilma Rousseff. Nota: sendo como se diz, é claro, então, que a presidente cometeu crime de responsabilidade.
– Quem mandou roubar? Eis a questão. Essa talvez seja a resposta que todo mundo sabe, mas que não pode ser dita porque faltam ainda as provas materiais. Mas restam poucas dúvidas sobre quem está na origem da lambança.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardozo, que foi, durante 20 anos, o alvo principal da pancadaria promovida pelo petismo — refiro-me a seus oito anos de governo e aos 12 em que o PT está no poder — surge logo aos 2min15s do programa com uma fala de dureza inédita: ” A primeira coisa para reerguer o Brasil é passar a limpo os erros que nos trouxeram até aqui”.
De certo modo, o tucano livra um tantinho a cara de Dilma, mas não para beneficiá-la, e sim para deixar clara a origem do problema: “A raiz da crise atual foi plantada bem antes da eleição da atual presidente”.
E não se nega a dizer o nome, não: “Os enganos e desvios começaram já no governo Lula”.
Apelando a um bordão celebrizado por aquele que tinha a pretensão de ser o seu algoz, afirma: “O que a realidade está mostrando é que nunca antes neste país se errou tanto nem se roubou tanto em nome de uma causa. Mas, desta vez, o desarranjo foi longe demais. A crise já atinge o bolso e a alma das pessoas. Não só a Petrobras foi roubada. O país foi iludido com sonhos de grandeza, enquanto a roubalheira corria solta. O que já se sabe sobre o petrolão é grave o suficiente para que a sociedade condene todos aqueles que promoveram tamanho escândalo, tamanha vergonha”.

As mentiras

O programa começa ao som de um panelaço, que estará, e por muitos anos, associado ao petismo, e leva ao ar as promessas feitas por Dilma Rousseff: do anúncio da queda da tarifa de energia ao paraíso anunciando durante o horário eleitoral. O objetivo plenamente alcançado no programa: evidenciar que a (re)candidata mentiu. E quem pode negar, não é? Afinal, O segundo governo Dilma se vê obrigado a revogar medidas do primeiro governo Dilma.

E tem início, então, a crítica às medidas do ajuste fiscal, sustentando que ele pune muito especialmente os mais pobres. Adotando um tática tantas vezes empregada pelo PT no passado, o partido diz não ser justo que “você” pague a conta.

Nesse ponto, cumpre fazer algumas considerações. É claro que eu, por exemplo, considero os ajustes necessários; é claro que eu avalio que parte ao menos das medidas em curso teria sido adotada pelo PSDB se o partido tivesse vencido as eleições — e não é menos claro que o lulo-petismo já teria colocado seu bloco na rua. Não custa lembrar: de maneira determinada, consciente, clara, organizada, a candidata Dilma Rousseff atribuiu ao adversário, Aécio Neves, a intenção de aplicar correções que ela própria adotaria, mal foram desligadas as urnas. Lembremo-nos de que Dilma não esperou nem o início do segundo mandato para, por exemplo, reajustar os combustíveis e a tarifa de energia.

Ora, com a colaboração dos setores áulicos do jornalismo e do colunismo, dizia-se que Aécio é que era o candidato das tais “medidas amargas”. O que se viu é que Dilma agiu daquele modo por má-consciência mesmo. Que irônico! Ela sabia, sim, o que precisava ser feito. E sabia que as pessoas tendiam a não gostar. Então jogou o peso da correção necessária nos ombros do adversário. E venceu a eleição prometendo facilidades. Ou seja: mentiu.

E ao PSDB, sim, senhores!, cabe agora cobrar essa mentira. Estamos no terreno da política, do confronto de discursos, do choque de versões sobre a realidade. Não pensem que as disputas pelo poder se dão apenas no terreno da razão e da eficiência técnica. Volta e meia, isso, que é um delírio totalitário que contamina até algumas boas cabeças, ressurge no debate: é o mito do rei-filósofo, do ditador-filósofo, do tirano-filósofo — do bom Tirano de Siracusa, enfim. A um legítimo partido de oposição, cabe cobrar a coerência de quem está no governo, ainda que esteja reivindicando o direito de ele próprio ter a vez de ser também incoerente.

É a sociedade que sai ganhando com essa alternância. De cobrança em cobrança, avança a democracia, avançam as conquistas sociais, avançam as instituições. Nefasto, isto sim, é um partido ou grupo querer se eternizar no poder, como se tivesse descoberto a pedra filosofal da boa governança. Existe, em suma, um domínio que é apenas da política, que não pode se render nem mesmo à razão técnica.

E é fácil saber que o que digo é virtuoso: se os tucanos fossem apenas se vergar aos números, seriam eles entusiastas do ajuste fiscal e votariam em bloco a favor das medidas. Mas isso corresponderia a dar ao PT a licença para mentir de forma miserável. Isso corresponderia a assumir para si a responsabilidade de governar quando é, afinal, governo, mas também quando é oposição.

Ônus

O PT tem de arcar com o ônus de suas mentiras. E, ao principal partido de oposição, cabe fazer essa cobrança. É claro que, hoje, só o combate à corrupção e o desaparelhamento do Estado não conseguiriam dar uma resposta à crise, como sugere o programa do PSDB. É preciso bem mais do que isso. É preciso fazer o ajuste fiscal. Mas o governo Dilma tem maiorias para isso e lhe cabe, afinal, assumir responsabilidades.

A um partido de oposição cumpre não exatamente criar dificuldades para o governo, mas fazer com que a implementação dessas medidas se transforme também num instrumento de educação política.
Isso é democracia. A ditadura do tirano virtuoso, está demonstrado, não dá certo. Uma oposição que assumisse para si a tarefa de ser governo estaria se entregando ao quanto melhor, pior. Porque isso conduziria um país à ditadura do partido único.

Como bem lembrou Aécio, e esta é uma fórmula que me é cara porque reivindico a sua autoria: se o Brasil escolheu um governo, ele também escolheu uma oposição. Sim, senhores! A oposição também é eleita e tem um mandato. E tem a obrigação de cumprir o papel que lhe atribuíram as urnas.

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