Editorial – Os três livros de Cunha: “O Profeta Armado”, “O Profeta Desarmado” e o “O Profeta Traído”

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 14/09/2016 16h28
Lula Marques/ AGPT Eduardo Cunha

Eduardo Cunha promete fazer uma trilogia que, entendo, já pode tomar de empréstimo os respectivos nomes dos três volumes da formidável biografia de Trotsky, escrita por Isaac Deutscher: “O Profeta Armado”, “O Profeta Desarmado” e “O Profeta Traído”.

O primeiro contaria seus sucessos nos bastidores da política; diria quem é quem na República; revelaria como se fazem as salsichas… O segundo volume relataria suas agruras desde que passou a ser o alvo preferencial da Procuradoria-Geral da República, tendo sido, depois, afastado do comando da Câmara e praticamente obrigado a renunciar, o que fragilizou as suas defesas. E o terceiro revelaria como se fabricou aquele resultado vexaminoso pra ele: 450 a 10, com 9 abstenções e apenas 42 ausências. Descontados os dois deputados que alegaram problemas médicos e anteciparam que faltariam — ele próprio e Rodrigo Maia não votaram —, a Armata Brancaleone do ex-todo-poderoso ficou reduzida a 59 parlamentares. E olhem que muitos dos que faltaram estão em busca de uma justificativa.

Cunha está ameaçando não deixar pedra sobre pedra. Explicitamente, não dirigiu seu canhão contra o presidente Michel Temer, mas fez questão de dizer que se sente, digamos, pouco prestigiado por ele. No caso de Rodrigo Maia (DEM-RJ), o dissabor praticamente pronuncia a palavra “traição”. Mas o seu rosário de mágoas é gigantesco. Depois de tudo, constatar que cabem nas duas mãos o número de deputado que não se envergonham de aparecer do seu lado, convenham, é um desastre e tanto.

Mas Cunha vai tentar fazer delação premiada, como sugerem alguns, que leem nas suas falas um aceno a Rodrigo Janot, ou só vai fazer os livros-bomba? As duas coisas são incompatíveis. No primeiro caso, ele arruma ainda mais inimigos e nada ganha com isso a não ser assistir a eventual queda de inimigos — sempre a depender, claro!, das provas. No caso de uma delação, quem pode se ver apertado é o Ministério Público: será que há revelações de Cunha fortes o bastante que possam fazer dele um beneficiário do acordo? Não parece que isso fizesse bem nem mesmo à Operação Lava Jato. Sem contar que o ex-deputado só não chamou Janot de santo.

Mais: quantas foram as chances de Cunha de falar? Muitas. Por que não o fez? Suas palavras, depois de tudo, dado o rancor que ele alimenta, merecem credibilidade? Ou ele busca apenas arrastar para a lama alguns antigos companheiros de jornada?

Placar e revelações
Querem saber? Estou entre aqueles que apostam que esses livros de Cunha não tenham tanto assim a revelar. Ou outro teria sido o placar da Câmara. Por que alguém que se soubesse potencialmente alvejado por ele daria a sua cara ao tapa? Convenham: teria sido melhor arriscar o mandato salvando Cunha do que eventualmente perder a liberdade condenando-o, sendo vítima de eventual processo criminal. Tampouco acho que Cunha tenha manancial muito pesado contra figuras do governo, Temer inclusive, ou outro teria sido o comportamento dessa gente.

Vamos ver: uma coisa é revelar ao público eventuais conversas de bastidores. Dou um exemplo ABSOLUTAMENTE HIPOTÉTICO: digamos que o então vice-presidente, Michel Temer, tenha, em algum momento, falado com Eduardo Cunha sobre a possibilidade de assumir a Presidência. O relato seria certamente saboroso. Mas onde estaria o crime?

Querem saber? Qualquer um que revelasse os bastidores da política e as conversas ao pé do ouvido acabaria produzindo uma obra do barulho se fosse uma figura relevante da política. Com o placar que vimos, eu duvido um pouco do arsenal de armas químicas de Eduardo Cunha.

Esfriar a cabeça
Ele terá, ademais, tempo de esfriar a cabeça, não é mesmo? Até porque não sabe o que vem pela frente. Agora, ele está à mercê da primeira instância. Não creio que Sergio Moro mande prendê-lo amanhã. Mas é bom tomar cuidado com movimentos muito bruscos. A depender de como ele atue, pode ser um risco para a chamada “instrução criminal”. E, nesse caso, é bom lembrar, o que o Artigo 312 do Código de Processo Penal recomenda ao vivente é prisão preventiva, é cana.

E lembro para encerrar: Cunha foi a uma CPI e assegurou a seus pares que não tinha dinheiro no exterior. Como negou solenemente que tivesse qualquer relação com o imbróglio na Petrobras ou que conhecesse Fernando Baiano. A gente sabe agora a verdade de cada uma dessas negativas. Uma eventual delação premiada viria injetada com o sangue da vingança, que é sempre uma péssima conselheira, embora boa ficcionista.

Melhor ele fará se, como se dizia antigamente, “sartar” de banda e desocupar a área.

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