Editorial – Os três livros de Cunha: “O Profeta Armado”, “O Profeta Desarmado” e o “O Profeta Traído”
Eduardo Cunha promete fazer uma trilogia que, entendo, já pode tomar de empréstimo os respectivos nomes dos três volumes da formidável biografia de Trotsky, escrita por Isaac Deutscher: “O Profeta Armado”, “O Profeta Desarmado” e “O Profeta Traído”.
O primeiro contaria seus sucessos nos bastidores da política; diria quem é quem na República; revelaria como se fazem as salsichas… O segundo volume relataria suas agruras desde que passou a ser o alvo preferencial da Procuradoria-Geral da República, tendo sido, depois, afastado do comando da Câmara e praticamente obrigado a renunciar, o que fragilizou as suas defesas. E o terceiro revelaria como se fabricou aquele resultado vexaminoso pra ele: 450 a 10, com 9 abstenções e apenas 42 ausências. Descontados os dois deputados que alegaram problemas médicos e anteciparam que faltariam — ele próprio e Rodrigo Maia não votaram —, a Armata Brancaleone do ex-todo-poderoso ficou reduzida a 59 parlamentares. E olhem que muitos dos que faltaram estão em busca de uma justificativa.
Cunha está ameaçando não deixar pedra sobre pedra. Explicitamente, não dirigiu seu canhão contra o presidente Michel Temer, mas fez questão de dizer que se sente, digamos, pouco prestigiado por ele. No caso de Rodrigo Maia (DEM-RJ), o dissabor praticamente pronuncia a palavra “traição”. Mas o seu rosário de mágoas é gigantesco. Depois de tudo, constatar que cabem nas duas mãos o número de deputado que não se envergonham de aparecer do seu lado, convenham, é um desastre e tanto.
Mas Cunha vai tentar fazer delação premiada, como sugerem alguns, que leem nas suas falas um aceno a Rodrigo Janot, ou só vai fazer os livros-bomba? As duas coisas são incompatíveis. No primeiro caso, ele arruma ainda mais inimigos e nada ganha com isso a não ser assistir a eventual queda de inimigos — sempre a depender, claro!, das provas. No caso de uma delação, quem pode se ver apertado é o Ministério Público: será que há revelações de Cunha fortes o bastante que possam fazer dele um beneficiário do acordo? Não parece que isso fizesse bem nem mesmo à Operação Lava Jato. Sem contar que o ex-deputado só não chamou Janot de santo.
Mais: quantas foram as chances de Cunha de falar? Muitas. Por que não o fez? Suas palavras, depois de tudo, dado o rancor que ele alimenta, merecem credibilidade? Ou ele busca apenas arrastar para a lama alguns antigos companheiros de jornada?
Placar e revelações
Querem saber? Estou entre aqueles que apostam que esses livros de Cunha não tenham tanto assim a revelar. Ou outro teria sido o placar da Câmara. Por que alguém que se soubesse potencialmente alvejado por ele daria a sua cara ao tapa? Convenham: teria sido melhor arriscar o mandato salvando Cunha do que eventualmente perder a liberdade condenando-o, sendo vítima de eventual processo criminal. Tampouco acho que Cunha tenha manancial muito pesado contra figuras do governo, Temer inclusive, ou outro teria sido o comportamento dessa gente.
Vamos ver: uma coisa é revelar ao público eventuais conversas de bastidores. Dou um exemplo ABSOLUTAMENTE HIPOTÉTICO: digamos que o então vice-presidente, Michel Temer, tenha, em algum momento, falado com Eduardo Cunha sobre a possibilidade de assumir a Presidência. O relato seria certamente saboroso. Mas onde estaria o crime?
Querem saber? Qualquer um que revelasse os bastidores da política e as conversas ao pé do ouvido acabaria produzindo uma obra do barulho se fosse uma figura relevante da política. Com o placar que vimos, eu duvido um pouco do arsenal de armas químicas de Eduardo Cunha.
Esfriar a cabeça
Ele terá, ademais, tempo de esfriar a cabeça, não é mesmo? Até porque não sabe o que vem pela frente. Agora, ele está à mercê da primeira instância. Não creio que Sergio Moro mande prendê-lo amanhã. Mas é bom tomar cuidado com movimentos muito bruscos. A depender de como ele atue, pode ser um risco para a chamada “instrução criminal”. E, nesse caso, é bom lembrar, o que o Artigo 312 do Código de Processo Penal recomenda ao vivente é prisão preventiva, é cana.
E lembro para encerrar: Cunha foi a uma CPI e assegurou a seus pares que não tinha dinheiro no exterior. Como negou solenemente que tivesse qualquer relação com o imbróglio na Petrobras ou que conhecesse Fernando Baiano. A gente sabe agora a verdade de cada uma dessas negativas. Uma eventual delação premiada viria injetada com o sangue da vingança, que é sempre uma péssima conselheira, embora boa ficcionista.
Melhor ele fará se, como se dizia antigamente, “sartar” de banda e desocupar a área.
Comentários
Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.