Editorial: Pedalada fiscal evidencia a aberração da interpretação que Janot faz da Constituição, com endosso de Zavascki

  • Por Reinaldo Azevedo/Jovem Pan
  • 16/04/2015 19h20
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A Presidenta Dilma Rousseff participa da cerimônia comemorativa do Dia do Exército Antônio Cruz/Agência Brasil A Presidenta Dilma Rousseff participa da cerimônia comemorativa do Dia do Exército

O governo, comprovadamente, deu o que passou a ser chamado de “pedaladas fiscais”. O que é isso? Em síntese: o Tesouro, no ano passado, retardou o repasse que deveria fazer aos bancos públicos: Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e BNDES. Esses entes são gestores ou meros intermediários do dinheiro que financia políticas públicas. Como o governo não fez a sua parte, tiveram de recorrer ao próprio caixa para arcar com as despesas, sendo ressarcidos depois. Isso caracteriza uma forma de empréstimo dos bancos ao Tesouro, o que é vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Muito bem! Técnicos do TCU avaliaram a questão. O procedimento foi ilegal. O governante que recorre a esse expediente comete crime de responsabilidade. O relator do caso no Tribunal de Contas da União, José Múcio, acatou o parecer dos técnicos, e os demais ministros acataram o parecer do relator. O tribunal cobra explicações do governo.

A chamada pedalada fiscal infringe os Artigos 10 e 11 da Lei 1.079, a que define os Crimes de responsabilidade. Sim, a presidente da República é que estava no comando da bicicleta. Afinal, ela pode ou não ser denunciada, também por isso, à Câmara?

Diz o procurador-geral, Rodrigo Janot, que não. A Constituição, e isto está mesmo escrito lá, estabelece no Parágrafo 4º do Artigo 86 que “o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.

Pois é… Atenção! Esse é um dispositivo anterior à reeleição, ora! Uma mudança de status dessa natureza pede uma interpretação que resguarde o espírito da Carta, que não consiste em dar ao governante licença para delinquir no cargo.

Pensemos um pouco: dada a reeleição, um presidente da República pode cometer crimes de responsabilidade, inclusive com o propósito para se reeleger, e não poderá ser processado por isso? Todos vamos concordar que o crime compensa, é isso? Entre outubro, mês do pleito, e 1º de janeiro, dia da posse, há um intervalo de dois meses: o reeleito ficaria livre para cometer crimes à vontade, respondendo por eles só depois que terminasse o futuro mandato?

Tal interpretação de Janot, com a qual dá deram mostras de concordar Teori Zavascki e Marco Aurélio, é uma aberração. Existe um instrumento legal chamado Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Partidos políticos, segundo a legislação, têm legitimidade para recorrer a ele. Chegou a hora de ir ao Supremo contra essa interpretação de Janot. Ora, é claro que um preceito fundamental está sendo desrespeitado. Eu duvido que o constituinte, em algum momento, pensou: “Vamos dar imunidade a um presidente no cargo para cometer crimes”.

Mas não é só a Lei 1.079 que está sendo desrespeitada. A pedalada fiscal também atropela a Lei da Improbidade Administrativa, a 8.429:

Define o Artigo 11 dessa lei, prestem atenção! “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

Pimba! Foi o que o que se deu.
E o Inciso III do Artigo 12 diz o que acontece com quem incide no Artigo 11:
“III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil (…)” – e outras penalidades que não vêm ao caso.

Lembro, adicionalmente, que o fato de a Controladoria Geral da União ter retardado o início da investigação do pagamento de propina feita pela empresa holandesa SBM agride, igualmente, as duas leis: a 1.079 e a 8.429.

Sim, um presidente da República só pode ser deposto de acordo com a lei. Mas também só pode governar dentro da lei.

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