Editorial: Por 452 votos a 19, Câmara aprova o fim da reeleição, que só fez mal ao país
O presidente da Câmara dos Deputados
O presidente da Câmara dos DeputadosVamos lá. Se, na terça, reitero o ponto, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi derrotado, como disseram muitos, então viveu uma quarta de gala, certo? Numa única noite, o plenário da Casa aprovou a constitucionalização das doações de empresas a campanhas por 330 votos a 141 e o fim da reeleição, por 452 a 19.
Sei não… A imprensa deveria parar de ser tão peremptória nessas coisas de vitórias e derrotas inelutáveis. Eu acho que o saldo é extremamente favorável a Cunha porque, finalmente, a reforma política está andando. O PT passou 12 anos dando as cartas no país e no Parlamento, chamando a dita-cuja de a mãe de todas as reformas. Mas não se mexia. Quando se mexeu, foi para tentar impor um projeto que só interessava ao partido, não ao país: queria financiamento público de campanha e voto fechado em lista, por exemplo. E ignorava o debate da reeleição porque se via eternizado no poder.
O presidente da Câmara foi buscar a emenda da reforma política que estava enterrada lá na CCJ e a pôs em votação. Goste-se ou não de Cunha, creio que nem adversários e desafetos deixam de reconhecer: ele sabe trabalhar.
Muito bem! Espero que o Congresso tenha começado a enterrar nesta quarta-feira aquele que foi um dos maiores equívocos da história recente do país: a instituição da reeleição, aprovada por emenda em 1997, na gestão FHC. Sim, eu considero o ex-presidente uma das figuras mais importantes da história do Brasil, mas fui, à época, contra a mudança. E tudo o que veio depois só demonstrou que eu estava certo. A reeleição faz mal ao país e à política. Eu não me posicionei, e não me posiciono, desse ou daquele modo pensando na eleição seguinte.
Em 1997, o PT era contra a emenda. Não era convicção, mas oportunismo. Opôs-se porque sabia que, dada a popularidade do Real, FHC seria reeleito. Fosse posição de princípio, com a maioria que tinha no Congresso, os companheiros teriam encaminhado o fim da reeleição já em 2003. Mas por que o fariam? Afinal, havia a chance de Lula conseguir o segundo mandato. Reconheça-se: a motivação de tucanos e aliados em 1997 não era distinta: também vislumbravam a continuidade no poder. No seu segundo mandato, o Babalorixá sabia que era gigantesca a chance de fazer um sucessor. E continuou a ignorar a questão.
O PSDB, desta feita, votou em massa contra a reeleição — e o PT também. Analisemos brevemente as posições de agora. Vamos ser claros: a expectativa de poder, a partir de 2019, pende mais para tucanos do que para petistas. Se o peessedebistas votassem apenas por oportunismo também agora, talvez devessem se opor à mudança. Já os petistas foram oportunistas em 1997 e agora: antes, queriam impedir a continuidade de FHC; agora, eventualmente, anteveem o risco de oito anos para um tucano — ou, vá lá, um não petista. Melhor, então, mudar a lei, pensam.
Não acho que a reeleição tenha trazido nada de bom ao país. O chefe do Executivo se elege e já se encarrega de formar uma base gigantesca pensando num mandato de oito anos, não de quatro. Evita, no que considera a primeira metade, tomar medidas impopulares porque sabe que terá de se submeter ao crivo das urnas. Dilma é um exemplo mais do que eloquente, não é? Porque não cortou gastos antes? Por que não mudou regras do seguro-desemprego e pensões antes? Por que não elevou combustíveis antes? Por que não majorou tarifas de energia antes? Por que não elevou juros antes? Por que não cortou financiamento da casa própria antes? A resposta é óbvia. E aqui se diz tudo. Cabe perguntar: por que o governo FHC I não desvalorizou o real antes? E a resposta é igualmente óbvia.
Mesmo àqueles que especulam que Lula poderia ter vencido em 1998 e acabado com o Real, respondo de duas maneiras: a) acho que ele teria sido derrotado porque, naquela disputa, ainda existia o PT pré-Carta ao Povo Brasileiro. Mas isso é chute, eu sei. O argumento melhor vem agora: b) não se deve recorrer a oportunismos para preservar o povo de si mesmo. A lei que garantiu aquele suposto bem de antes tem custado muito caro ao país. Esse tipo de maquinação nunca dá certo, não é? E se o PT, sem Lula, tivesse sido derrotado em 2006?
Existe reeleição nos EUA, e as coisas funcionam relativamente bem. É verdade. Não vou dizer aqui, como afirmou um deputado nesta quarta, que aquela é uma democracia consolidada, e a nossa, ainda muito jovem. Isso é besteira. A questão não esta na esfera cultural ou de sensações. O que importa é outra coisa. Vejam o tamanho que tem o estado americano e o tamanho que tem o estado brasileiro. Será que um governante americano dispõe, por exemplo, de um Fies, que desembolsa R$ 5 bilhões num ano e R$ 14 bilhões no seguinte, quando há disputa eleitoral? Será que o governo americano dispõe de Bolsa Família, que possa ter seu valor corrigido justamente na boca da urna? Será que o governo americano dispõe de bancos estatais, comerciais e de fomento para fazer generosidades?
Dado esse perfil do estado brasileiro, permitir a reeleição corresponde a entregar uma máquina gigantesca na mão do governante de turno para que ele cuide da sua reeleição. É claro que a gestão sempre pode ser de tal sorte ruim que um governante acabe sendo recusado. Mas a experiência mostrou que a regra tem sido a reeleição. E não porque a administração seja necessariamente exemplar. Vejam o caso de Dilma Rousseff cinco meses depois de assumir o segundo mandato…
A decisão da Câmara é um alento. Vêm agora outras questões importantes, das quais tratarei em outro post: duração de mandato de presidente, de deputados, de senadores etc. Mesmo o fim da reeleição, acho, pode ser melhorado. Volto depois.
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