Editorial: Um texto de Sérgio Moro que poderia ser de Rui Falcão
Leiam este trecho:
“A fiar-se nos depoimentos, José Carlos Bumlai teria se servido, por mais de uma vez e de maneira indevida, do nome e autoridade do ex-presidente da República para obter benefícios. Não há nenhuma prova de que o ex-presidente da República estivesse de fato envolvido nesses ilícitos, mas o comportamento recorrente do investigado José Carlos Bumlai levanta o natural receio de que o mesmo nome seja de alguma maneira, mas indevidamente, invocado para obstruir ou para interferir na investigação ou na instrução”.
O autor dessas palavras é o juiz Sérgio Moro, o implacável — e não estou sugerindo que seja molenga. Ele é visto, assim, como o homem que não se verga, certo? Deve ser verdade.
Pois bem. É uma fala de Moro, mas poderia ser de Rui Falcão, presidente do PT. Aliás, o próprio Lula já afirmou que Bumlai pode ter usado seu nome sem sua autorização.
Pode parecer incrível, mas, até agora, Lula não é investigado na Lava Jato. É mesmo um espanto. Em depoimento, Salim Schahin confessou que o banco do seu grupo perdoou uma dívida do PT — que se especula em R$ 60 milhões — porque uma das divisões da empresa conseguiu um contrato de US$ 1,6 bilhão para operar um navio-sonda da Petrobras. Segundo ele próprio, que fez delação premiada, o negócio só se viabilizou com a interferência de Lula.
Vale dizer: o chefão petista ajudou o grupo Schahin a fazer um contrato bilionário, e a empresa perdoou a dívida do PT. Ou por outra: a Petrobras pagou a dita-cuja. Ora, acreditem: Salim pagou uma multa, no âmbito do acordo, de R$ 1,5 milhão, e Lula nem sequer é um investigado. Não há um miserável inquérito contra ele, nada!
Alguém realmente acredita que, no meio dessa lambança toda, dado o papel que tinham o PT, João Vaccari Neto e outras figuras graduadas, Lula não tivesse ciência de absolutamente nada? Acho que ninguém está esperando recibo assinado, né?
Também a Polícia Federal parece bastante compreensiva: “Em relação ao ex-presidente Lula, são citações ainda sem qualquer conteúdo de prova efetiva. É muito comum que o nome seja usado sem autorização. Pode ser esse o caso, mas tem que apurar, ver se houve realmente alguma interferência do Palácio do Planalto nesses contratos”, afirma, por exemplo, o delegado Igor Romário de Paula, que atua na Lava Jato.
Como afirmei outro dia num bate-papo para o qual fui convidado, só me ajoelho diante de um Senhor, e ele não é deste mundo.
Venham cá: esses critérios generosos da PF e de Moro — e os do Ministério Púbico Federal — empregados com Lula também valem para outros acusados? Se o PT fosse uma empresa, em vez de um partido, esses senhores todos dariam a Lula a presunção da inocência? Deram aos empresários acusados?
Não custa lembrar que a Polícia Federal se opôs ao arquivamento do inquérito que investigava o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), apesar do absurdo da coisa. Um bandido afirmou ter entregado dinheiro a alguém que se parecia com ele…Mostraram-lhe uma foto de Anastasia… O homem disse que talvez fosse! Tome inquérito!
Anastasia já ter sido investigado na Lava Jato, e Lula não, convenham, dá conta de certo estado de coisas. O caso de Salim Schahin, então, clama aos céus.
Os canalhas dizem que não me conformo com o fato de Lula não ser investigado. É VERDADE! EU NÃO ME CONFORMO NÃO PORQUE ELE DEVERIA SÊ-LO POR DEFINIÇÃO, MAS PORQUE ELE COSTUMA APARECER NA NARRATIVA DOS CRIMINOSOS, NÃO É?, E NUNCA TEM NADA COM ISSO. Desde o mensalão, é o inocente mais onipresente da história da humanidade.
“Tá desconfiando de Moro, da PF e do MP, Reinaldo?” Se e quando desconfiar, eu falo. Estou cobrando. E estou perguntando, muito objetivamente, se todos os investigados da Lava Jato gozam da, vamos lá, tolerância de que goza Lula. Se a resposta for não, e eu acho que é “não”, cumpre lembrar que a Justiça mal distribuída é uma das faces da impunidade.
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