Desmatamento zero: Exportações do agro brasileiro para UE podem ser afetadas em US$ 10 bi
Proposta em análise no parlamento europeu prevê barreira para soja, carne bovina, café, cacau, madeira, óleo de palma e derivados
Diversos setores do agronegócio brasileiro acompanham atentamente as discussões em torno da proposta da União Europeia (UE) de bloquear as importações de commodities ligadas ao desmatamento ilegal e legal. Especialistas ouvidos no painel Hora H do Agro do último domingo, 28, avaliaram os reflexos que a política verde de desmatamento zero terá no setor. Segundo o ministro Alexandre Ghisleni, diretor do Departamento de Promoção do Agronegócio do Ministério de Relações Exteriores, cálculos preliminares mostram que a medida “pode afetar até US$ 10 bilhões em exportações brasileiras para a União Europeia”, dependendo do modelo final que for aprovado. “Não acredito que todos os US$ 10 bilhões serão perdidos, mas é desse montante inicial que estamos falando”, destacou.
A proposta ainda está em tramitação. O texto foi apresentado pela Comissão Europeia, braço executivo da UE, ao parlamento há pouco mais de uma semana e, antes de entrar em vigor, terá que ser validado pelos parlamentares e pelo Conselho Europeu, que reúne os líderes dos 27 países membros. A expectativa de entidades do agro brasileiro é que esse processo dure cerca de um ano. Se o projeto vier a ser aprovado, as empresas exportadoras deverão comprovar desmatamento zero depois de 31 de dezembro de 2020, data que será considerada pelo bloco europeu o novo marco.
Preocupações adicionais
A lista de produtos que estão na mira da Europa reúne: soja, café, carne bovina, cacau, madeira e óleo de palma, além de itens derivados como couro, chocolate e móveis. Não obstante, existe a preocupação quanto à relevância da UE como formadora de opinião, com isso, há o temor da ideia ser replicada em outros países e blocos econômicos, o que “multiplicaria os danos para o agro brasileiro”, lembrou o ministro Ghisleni.
Cadeia da Soja
Quem acompanha o agro sabe que as críticas que a cadeia da soja recebe não são de hoje, tanto que o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja, Antonio Galvan, afirma que “o que vem dos europeus não é mais surpresa nenhuma”. “Eles tentam de toda forma nos impedir desse crescimento que o Brasil tem, desse potencial que o país tem”, afirmou. Para a entidade que reúne mais de 240 mil agricultores por todo o país, a iniciativa da UE se trata de protecionismo e barreiras comerciais disfarçadas de preocupação ambiental. “Essa é uma jogada, para dizer a verdade, uma sujeira feita pelo europeu que não quer perder a hegemonia deles para os países que foram colônia, a exemplo do Brasil”, diz Galvan. “Não podemos concordar com isso de forma nenhuma.” Atualmente, a soja em grão é o principal produto da pauta de exportação do agro brasileiro. Só no acumulado deste ano, o país enviou mais de 82,34 milhões de toneladas ao exterior, volume que representa 99% da quantidade total embarcada no ano passado (82,97 milhões de toneladas), de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia. Desse montante, a UE respondeu por 10% das compras.
Indústria processadora
A nova legislação do acordo verde europeu também está sendo acompanhada pela indústria esmagadora de soja. Hoje em dia, o farelo de soja, utilizado na ração animal, é um dos itens mais exportados para a UE, e com as novas exigências, muita coisa será alterada nas operações das tradings (empresas que atuam na compra e venda do produto). “Tudo aquilo que foi ganho em termos de eficiência a Europa está jogando fora com essa decisão”, avaliou André Nassar, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais.
Segundo Nassar, a legislação europeia pretende exigir das companhias os polígonos de cada propriedade em que a soja for adquirida. Na prática, isso significa a demarcação do interior do imóvel, com áreas de vegetação nativa, reserva legal, rios, lagos, estradas, etc. Além disso, a indústria terá que comprovar que no trajeto – caminhão, vagão de rodovia, armazém – os grãos produzidos em áreas de desmatamento zero não se misturaram com grãos de áreas desflorestadas legal ou ilegalmente. Depois, todos esses dados deverão ser registrados no sistema de rastreabilidade da UE. “Imagina as tradings que compram de 3 a 4 mil produtores terem que informar esses polígonos, acho até que fere nossas leis de proteção de dados”. Com o nível de exigência colocado, a Abiove avalia que seria preciso criar “quase uma cadeia dedicada para atender a Europa”. “No fundo, o Galvan tem razão, ela é uma barreira”, disse Nassar. No Hora H do Agro, os especialistas também analisaram o assunto sobre o ponto de vista da soberania nacional, reflexos nos preços, alternativas de comércio e impactos nas áreas de novas fronteiras agrícolas, como o MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) e SEALBA (Sergipe, Alagoas e Bahia), regiões que têm expandido a produção nos últimos anos. Confira a edição completa do programa:
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