A cada três dias, uma mulher é vítima de feminicídio em São Paulo

Informações obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que em mais de 60% dos casos as mulheres são mortas dentro da própria casa

  • Por Leonardo Martins
  • 06/03/2020 06h00 - Atualizado em 06/03/2020 08h25
Arquivo/Agência Brasil Brasil é o 5º país do mundo com maior número de feminicídios

Em fevereiro, a auxiliar de enfermagem Adriana Aparecida da Silva, 42, passeava à tarde de moto em uma avenida no bairro Vila Progresso, em Jundiaí, interior de São Paulo.

No meio do caminho, ela foi interrompida pelo borracheiro Clayton Ribeiro, de 38 anos. O motivo: Clayton era apaixonado por ela e queria conversar. Ele já havia a assediado na porta de seu trabalho no dia anterior e, segundo a investigação, a “paixão não era correspondida”.

Adriana foi morta no meio da rua após ser golpeada pelo homem com pelo menos 18 facadas. Testemunhas viram a agressão, imobilizaram Clayton e o espancaram. Ele chegou morto ao hospital.

A morte brutal da auxiliar de enfermagem carrega o mesmo padrão de autoria de grande parte dos casos de feminicídio em São Paulo.

Dados obtidos com exclusividade pela Jovem Pan por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que os autores de feminicídio são principalmente homens de 30 a 39 anos de idade.

Histórias semelhantes ou até piores, em que a vítima é morta por ser mulher, acontecem a cada três dias no estado.

O levantamento aponta que os homicídios acontecem, na maioria das vezes, na parte da noite e da madrugada. Mais da metade das mulheres assassinadas são pretas ou pardas.

A promotora de Justiça de Enfrentamento à Violência Doméstica de São Paulo, Fabiana Dal’Mas Rocha Paes, explica que o crime de feminicídio é fruto da chamada “escalada da violência”.

“Eu tenho um insulto, uma violência psicológica. ‘Sua vagabunda’, ‘sua gorda’. Temos um contexto familiar em que a mulher não se reconhece como vítima dessa violência. O feminicídio não vem de uma hora para outra. Há esses sinais de violência”, aponta a promotora.

O Mapa da Violência de 2015, último levantamento quantitativo do assunto, aponta o Brasil como o 5º país do mundo com maior número de feminicídios.

A solução não é simples porque, em mais de 60% dos casos as mulheres são mortas dentro da própria casa, ainda segundo os dados obtidos pela reportagem.

Por isso, segundo a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, o tema deve ser discutido dentro da sala de aula para coibir a violência doméstica desde a infância.

“A gente não pode depender que existam delegacias da mulher funcionando 24 horas nos 645 municípios do estado. Isso é impossível. Mas a gente pode pensar que toda delegacia tenha policiais capacitados para atender essa mulher de forma adequada. Assim como qualquer policial aprende a atirar, ele precisa aprender a atender uma mulher em situação de violência”. (SAMIRA BUENO, DIRETORA-EXECUTIVA DO FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA)

Declarações desrespeitosas contra mulheres vindas de pessoas com poder de influência na sociedade incentivam práticas de violência contra mulher, ainda segundo as especialistas. Para a delegada Jamila Jorge Ferrari, coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher em São Paulo, personalidades políticas devem ter cuidado na hora de falar

“Pessoas que tem uma influência, seja na mídia ou na política, elas tem que ter cuidado com o que elas falam. Elas influenciam pessoas que a seguem, seja nas redes sociais ou na vida como um todo”, afirma a delegada.

Segundo Ferrari, a principal forma de lutar contra o feminicídio é a denúncia no primeiro sinal de abuso psicológico ou físico.

Como denunciar

Caso você tenha sido vítima ou conheça alguém que precise de ajuda, há algumas maneiras de denunciar e buscar acolhimento. É possível denunciar em qualquer delegacia da mulher ou delegacia convencional. Se a vítima se sentir envergonhada ou intimidada, há os canais do disque 180, que é a central de atendimento à mulher, e o 190 da Polícia Militar.

A Defensoria Pública também recebe denúncias e presta assistência jurídica gratuita às pessoas que não podem pagar um advogado.

As Casas da Mulher Brasileira, os Centros Especializados de Atendimento à Mulher e as Casas-Abrigo são outros meios de ter acolhimento e acompanhamento jurídico e psicológico.

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