Crise no Ceará: A população não pode ficar refém da polícia, diz especialista em segurança pública

  • Por Jovem Pan
  • 22/02/2020 10h56 - Atualizado em 22/02/2020 11h19
Reprodução/TV Globo pm ceara batalhao Parte do efetivo policial está paralisado no estado

A paralisação dos policiais no Ceará já completa quatro dias, e, segundo o especialista em segurança pública e professor de gestão pública da FGV Rafael Alcadipani, será preciso muita “habilidade política” para que os governos estadual e federal consigam gerir a situação.

Em entrevista exclusiva ao Jornal da Manhã, Alcadipani afirmou que a situação é muito delicada, mas que a população não pode ficar “refém” dos agentes. “Por um lado, policiais há muitos anos sem reposição de salários, sem condições adequadas. Por outro, não é possível que a população fique refém de policiais, corporações e dos seus interesses. É preciso muita habilidade política para conseguir conversar. É um diálogo difícil, principalmente quando policiais que são militares utilizam-se do seu controle do patrulhamento e força expressiva para tentar chantagear a população.”

Segundo a legislação brasileira, policiais militares não podem entrar em greve, e são passíveis de prisão e até mesmo expulsão da corporação. É prática comum no país, no entanto, anistiar os agentes que participam nos movimentos, como aconteceu no Espírito Santo, em 2017, após 21 dias de paralisação.

Essa anistia contribui para que as situações voltem a ocorrer, diz o especialista e professor. “Não é possível que a gente dê anistia tão objetiva e indireta. Vamos acabar incentivando esse tipo de ação”, conta. Para ele, a força política da categoria, que elege mais representantes a cada peito, dá ainda mais força para esses movimentos. “O Brasil precisa evoluir e ter uma ‘quarentena’ para que um policial ou comandante não possa imediatamente ser candidato. Isso acaba prejudicando uma série de situações. Mas nada disso estaria acontecendo se nós não tivéssemos uma péssima condição de trabalho para os policiais militares ao redor do país.”

Alcapadiani avalia a inclusão da categoria na reforma da Previdência dos militares como um aceno positivo do governo, mas acredita que ainda é necessário melhorar – e muito – as condições de trabalho no Brasil. “Não podemos tratar o funcionário público como inimigo, é importante que a gente cuide bem deles.”

Para ele, mesmo que o Ceará seja uma situação específica no que se refere à violência, por ter se tornado um ponto estratégico para grandes facções criminosas do Brasil, o imbróglio com policiais no país mostra certa fragilidade dos governadores. “A gente está vivendo uma situação de crise fiscal, governos não têm conseguidos arcar com as suas responsabilidades com os servidores. O caso de Minas Gerais [que concedeu aumento aos policiais mesmo com situação fiscal complicada] chama atenção, mostra como governadores ficaram reféns”, explica.

O especialista defende que o Governo Federal crie uma política pública exclusivamente pensando na categoria, com piso salarial, melhores condições de trabalho, além de acompanhamento psicológico para agentes e familiares.

Ideologia e política

Alcapadiani não descarta que a iniciativa da paralisação tenha um viés político.”Temos que tomar cuidado pra não sermos levianos. No caso específico do Ceará, um dos líderes do movimento foi candidato contra o atual governador, e ele sem dúvida tem um interesse político nisso”, pontua. “A gente precisa ter no Brasil uma noção de que a ideologia não pode estragar a civilidade e não pode transformar ninguém em criminoso. A gente tem policiais com rosto coberto, mandando que as pessoas fechem as portas, isso é coisa de crime organizado. Não de polícia.”

Para o professor, que defende uma corporação “neutra”, a politização extrema é preocupante. “Os comandos das polícias de uma forma geral foram extremamente levianos durante a eleição, permitindo a ideologização das tropas. A gente viu corregedor defendendo candidatura, isso não é aceitável em qualquer democracia do mundo”, conta. Segundo ele, policiais têm “uma série de obrigações com a sociedade”, e, por isso, precisam ter “mais responsabilidade”. “A gente não pode aceitar que quartel vire palanque”, completa.

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