‘Brasil tem legislação forte que garante estado democrático’, afirma vice-presidente da OAB-SP

Para Leonardo Sica, principal mensagem da carta em defesa da democracia da USP, que já conta com mais de 800 mil assinaturas, é de que opositores devem coexistir respeitosamente, encontrando consensos; o jurista disse ainda esperar eleições mais civilizadas e menos violentas que as últimas

  • Por Jovem Pan
  • 10/08/2022 10h57 - Atualizado em 10/08/2022 10h57
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Reprodução/Facebook/Leonardo Sica Leonardo Sica Leonardo Sica, vice-presidente da OAB-SP

A Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo lançará na próxima quinta-feira, 11, uma carta em defesa da democracia, que conta com mais de 800 mil assinaturas. O dia deverá ser marcado pela leitura do documento de forma simultânea nas cinco regiões do país e também por manifestações políticas. A carta é organizada ainda por juristas e também será divulgada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Para falar sobre o assunto, o vice-presidente da seccional São Paulo da Ordem, Leonardo Sica, concedeu uma entrevista ao vivo para o Jornal da Manhã, da Jovem Pan News, nesta quarta-feira, 10. Segundo ele, o país possui uma legislação forte que garante o estado democrático de direito e a carta é um esforço que deve ser reiterado constantemente pela população. O jurista ainda disse esperar que a leitura do documento propicie eleições mais respeitosas, harmônicas e onde os opositores possam coexistir sem violência, em busca de um consenso em prol da sociedade brasileira.

“A legislação garante o nosso estado democrático. A gente tem uma legislação bem forte. E ela tem que ser seguida. É ela a garantia do estado democrático de direito, o regime de legalidade. A gente vive um momento no mundo ocidental de, alguns especialistas falam, recessão democrática. Não só no Brasil. Não só no Brasil. Por isso esse momento é muito importante, porque o mundo está de olho no Brasil neste momento. A gente vive uma crise democrática mundial, pelo menos afeta todo o mundo ocidental. As democracias estão sendo questionadas em vários outros países, vejam o que aconteceu nos Estados Unidos recentemente com a eleição do Biden e invasão do Capitólio. Então é o momento em que o Brasil tem a possibilidade de se colocar na vanguarda de reafirmar que é hora de defender a democracia, mas não só, é hora de melhorar a democracia. Porque se a gente enfrenta tantos questionamentos à democracia, é hora da gente entender que ela precisa ser melhorada, aprofundar os mecanismos de consulta da população, aumentar a transparência da administração pública, transparência no Congresso Nacional. Existem reclames contra a democracia que são legítimos, existe uma crise mundial de contestação da democracia, mas eu acho que a democracia brasileira é firme, está bem estruturada e que não corre o risco de acabar. Ela está sob críticas e ataques. Mas justamente quando surge uma carta numa faculdade de direito e espontaneamente ela toma 1 milhão de assinaturas quase, isso mostra que a democracia brasileira é saudável e firme“, declarou o vice-presidente da OAB-SP.

Questionado sobre o período após a leitura da carta, Sica disse esperar “a construção de um debate público mais saudável, mais tolerante, menos violento, menos agressivo”. Ele ainda elogiou o ambiente de debates da Jovem Pan, reforçando que as diferenças devem coexistir pacifica e respeitosamente no mesmo espaço para que as democracias se fortaleçam. “Acho que a principal mensagem é essa. A carta vai ser lida num campo politicamente neutro, a faculdade de direito mais antiga do país. Uma carta feita por professores de direitos, por acadêmicos, que não têm nenhuma vinculação partidária e que vão promover um ato urbano, civilizado, tolerante. Eu acho que é isso que a democracia brasileira tem mais carência hoje em dia, espaços como esse de vocês [da Jovem Pan], onde as ideias são e podem ser opostas, e isso é ótimo. É ótimo que tenham ideias opostas, que tenha oposição. Tem gente que assinou a carta que é opositor ao governo Bolsonaro? Tem! Mas não tem problema. Os opositores têm que conviver. As oposições têm que existir. Acho que a principal mensagem que a gente quer deixar com essa carta é essa. Nós estamos vivendo o início de um ciclo eleitoral que nós esperamos que seja mais civilizado que o último. Que as diferenças possam ser veiculadas como nós estamos fazendo aqui hoje e como vocês sempre fazem aqui na Jovem Pan, de maneira aberta, de maneira franca, e que a gente possa achar consensos. Democracia é isso, nós precisamos achar consenso sobre o qual sobreviver, sobre o qual coexistir“, pontuou.

“O documento é político. Nós estamos falando de política. O documento não é partidário e nem eleitoral. Mas, claro, é uma manifestação política. Não adianta esconder isso. Até porque a negação da política, a vontade de virar as costas para a política é um dos problemas que talvez a carta queira alertar a sociedade civil brasileira, porque ela tem que se interessar por política, os bons quadros da nossa sociedade têm que ingressar na política e têm que defender a democracia. Defender a democracia é uma constante. Eu vejo essa carta, que é uma reedição da carta de 1977, como um esforço constante que toda a sociedade tem que fazer de reafirmar seus compromissos com a democracia. De tanto em tanto isso precisa acontecer. E a gente está em um momento agora que é oportuno”, explicou Sica.

Apesar de já ter definido a carta como apartidária, o jurista foi novamente questionado sobre o teor eleitoral do documento, apontado por um dos entrevistadores como de oposição ao presidente Jair Bolsonaro (PL) por não incluir questões do direito penal no texto. “Violação do princípio da reserva legal, do princípio acusatório, cerceamento do exercício da livre advocacia são problemas sérios e que vêm se reiterando no Brasil há muito tempo. Isso aconteceu muito na Lava-Jato, isso aconteceu muito no Mensalão. Nós da advocacia estamos alertando para isso há muito tempo. Não é de agora que esse assunto entra na esfera política. O que eu entendo é que esses problemas não são tratados exatamente em uma carta em defesa da democracia. Nós da advocacia criminal falamos de sistema acusatório há 20 anos, nunca fomos ouvidos. Agora, nós somos ouvidos por algumas pessoas que estão sentindo na pele esse problema. Justamente para não entrar nessa discussão, que é muito técnica, a maioria das pessoas não sabe o que é sistema acusatório, e eu não vou conseguir falar o quanto isso é importante no pequeno espaço de tempo que eu tenho aqui. O momento é de falar de democracia, de liberdade de expressão, de outras coisas, não do devido processo legal. Numa carta que é plural, que atinge toda a sociedade civil, eu acho que não era o momento de falar desses temas, que são muito importantes, têm que ser tratados, mas não caberiam nessa carta, até porque são muito técnicas. Nós falamos de presunção de inocência há muito tempo. Quando nós fomos à tribuna do STF defender presunção de inocência contra prisão em segunda instância nós também não fomos compreendidos. Esses temas são muito oportunos, mas eles têm que ser tratados em outro lugar. São temas estritamente de justiça penal e criminal, mas quando eu quero tratar de democracia para a sociedade civil eu tenho que tratar de sistema eleitoral e do tema do momento”, pontuou.

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