Crise na ciência afeta novo teste para dengue, tratamento para TDAH e controle da obesidade
Soluções que ajudariam a humanidade a combater a obesidade, que mata 4 milhões de pessoas por ano, ou descobertas de mutações genéticas que poderiam impedir a evolução de novas epidemias de vírus como zika e dengue ficarão na gaveta. E por um tempo ainda incerto.
Até agora, o Governo Federal não demonstrou interesse em flexibilizar o corte de quase metade do orçamento deste ano do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações. O montante já é o menor de todos os tempos.
Tampouco se mostrou sensibilizado pela carta de 23 ganhadores do Prêmio Nobel que recomendaram mudanças na postura do presidente Michel Temer com relação ao setor.
As consequências têm nocauteado a ciência brasileira. Já combalida, hoje convive com a perda de talentos e de oportunidades.
“Muitas pessoas estão saindo do País para conseguir seguir com suas pesquisas. Eu tenho vários colegas nos EUA, na Europa, Escandinávia”.
“Se eu tiver uma ideia numa área de pesquisa hoje, eu não tenho perspectiva que abra um financiamento nos próximos meses ou anos”.
Assim, pesquisas sobre o controle da obesidade nem saíram da prancheta dos alunos coordenados pelo professor da Universidade Federal de Minas Gerais Gustavo Menezes.
A falta de dinheiro, que interrompe linhas de pesquisas em andamento, também adia a conclusão de estudos.
Imagina se no auge da epidemia de dengue no Brasil, o médico pudesse realizar um exame que apontasse se uma pessoa tem predisposição genética para evoluir para a versão hemorrágica da doença, que pode ser fatal?
O pesquisador em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, Milton Moraes, se dedica ao assunto. Quer descobrir marcadores genéticos para dengue e outras doenças infecciosas, como rotavírus e tuberculose. Só não desistiu por um motivo: “convênio com instituições estrangeiras, agências de fomento internacionais. Isso é o que tem garantido a nossa atividade”.
E é assim, juntando recursos aqui e ali, que Moraes tenta manter os trabalhos que coordena pulsando.
É também de manobras que vive a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Lisiane Porciuncula. Ela se mudou para o Rio de Janeiro para tentar concluir parte da pesquisa sobre como se desenvolve o cérebro de quem tem Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
Segundo a pesquisadora, na sua cidade natal não há condições de tocar o projeto que pode servir de base para o tratamento do distúrbio que atinge até 6% da população mundial: “falta desde o papel toalha para higienização das bancadas”.
Milton Moraes, do Rio de Janeiro, lamenta pelo impacto dessa política: “me preocupa muito o efeito a longo prazo, uma espécie de bomba de efeito retardado”.
Na Federal de Minas Gerais, o professor Gustavo Menezes espera que a iniciativa privada sirva de amparo provisório para os pesquisadores e que o “chacoalhão” dos prêmios Nobel seja ouvido pelo presidente Temer: “uma carta vinda de 23 pessoas que mudaram o curso da humanidade tem que ser escutada por qualquer pessoa”.
O orçamento deste ano do Ministério da Ciência e Tecnologia é o menor de todos os tempos, cerca de R$ 3 bilhões.
Na semana passada, a pasta recebeu mais R$ 440 milhões do governo e prometeu priorizar os bolsistas com a quantia. Mas o valor descontingenciado representa somente 20% do esperado para o resto do ano. A proposta inicial para 2018 é reduzir ainda mais o valor.
Em nota, a pasta informa que trabalha junto com o Ministério da Fazenda e do Planejamento para recompor o orçamento ainda em 2017 e ressalta que os valores para o ano que vem ainda estão sendo discutidos.
*Informações da repórter Carolina Ercolin
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