Deltan: grandes ataques à Lava Jato vieram de Temer e Gilmar

  • Por Jovem Pan
  • 26/12/2017 11h39 - Atualizado em 26/12/2017 11h43
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RODOLFO BUHRER/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO "O nosso receio agora é que o Supremo comece a mudar a posição em relação às delações. Se começar a anular as delações, cai a Lava Jato por inteiro", projeta Dallagnol

Para o coordenador da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, os “ataques” à Operação que tem como alvo as mais altas instâncias do poder viriam de deputados e senadores. Mas, em entrevista exclusiva ao Jornal da Manhã da Jovem Pan nesta segunda (26), Dallagnol diz ter se surpreendido com algumas movimentações particulares nesse fim de 2017.

Baseando sua comparação no que aconteceu com Operação Mãos Limpas, na Itália, o procurador federal reflete: “Eu achava que aqui (no Brasil) os grandes ataques da Lava Jato viriam do Congresso. Mas o que aconteceu nesse final de ano é que os grandes ataques à Lava Jato vieram do presidente da República (Michel Temer) e do Judiciário, de ministros do Supremo Tribunal Federal, particularmente de um ministro do STF”, afirmou.

Logo depois, Deltan deixou claro a que ministro se referia. Para o membro do Ministério Público Federal (MPF), o Supremo revoga “várias prisões preventivas em que, ao nosso ver, estão presentes os requisitos claros para que permaneça preso”.

“A gente vê o ministro Gilmar Mendes dando uma liminar contra tudo o que se decidiu até hoje nos tribunais sobre condução coercitiva, como se a opinião dele fosse a única legítima, e nas entrelinhas chamando juízes, promotores, delegados, o país inteiro de abusadores porque fizeram condução coercitiva”, acrescentou, lembrando que o ministro proibiu em decisão monocrática as conduções.

O procurador vê outro “perigo” na postura de Gilmar. “Ele (Gilmar Mendes) já disse que o Supremo tem um encontro marcado com as delações, mesma frase que já havia dito sobre as prisões preventivas, dando a entender que começaria a soltar os presos”.

“O nosso receio agora é que o Supremo comece a mudar a posição em relação às delações. Se começar a anular as delações, cai a Lava Jato por inteiro”, projeta Dallagnol.

“Feirão de Natal” para “proteger a si e aos aliados”

Deltan não diminui o tom das críticas sobre Temer. O alvo principal é o indulto natalino concedido pelo presidente na última semana, que teve seu alcance ampliado.

“E ainda por cima vem o presidente com esse indulto, que é um feirão de Natal, perdoando 80% da pena dos criminosos. O que está acontecendo é um ultraje”, classificou.

Na entrevista, o procurador repetiu e enfatizou duas vezes frase polêmica que já havia escrito no Twitter em que diz que Temer prepara uma saída para si e para seus aliados acusados de corrupção. Mas desta vez Deltan deu nomes aos bois.

“O que estão fazendo é um feirão de natal da corrupção. O que o presidente Temer está fazendo é preparar uma saída para si e para os políticos que eventualmente sejam condenados por corrupção”, acusou o procurador.

“Não só o presidente Temer é acusado de corrupção, mas todas as pessoas próximas a ele estão enfrentando essa mesma acusação ou prisão. Romero Jucá (ex-ministro e líder do governo no Senado, PMDB) está denunciado, Geddel (Vieira Lima, ex-ministro) está preso, Henrique Alves (ex-ministro) está preso, Moreira Franco e Eliseu Padilha (atuais ministros, Secretaria-Geral e Casa Civil, respectivamente) denunciados por corrupção, Rocha Loures (ex-deputado e ex-assessor especial de Temer) está denunciado”, citou Deltan.

Temer foi denunciado em 2017 duas vezes com base na delação da JBS, de Lúcio Funaro e em outras provas, por corrupção passiva, organização criminosa e obstrução da Justiça, mas a Câmara barrou as duas acusações impetradas pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot na Lava Jato de Brasília.

O indulto natalino vale por um ano.

Deltan Dallagnol explica por que considera um retrocesso no combate à corrupção o indulto de Temer, que diminui o tempo de cumprimento de prisão para se ter acesso ao benefício de 1/4 para 1/5 da pena (20%).

“Hoje a gente vai negociar acordos com réus e a gente dá um desconto na pena. Se a pessoa já tem um desconto de 80% da pena por decreto-indulto, que desconto eu tenho que dar para alguém decidir colaborar com a Justiça?”, questiona.

Além disso, cita o procurador, o acusado pode contar com a “perspectiva de conseguir anular o caso”, de “empurrar com a barriga por meio desse nosso emaranhado recursal” e “tem a chance de o caso prescrever”.

O procurador da Lava Jato reconhece que o indulto, que tem previsão na Constituição, é “feito de modo geral, aplica-se a crimes sem violência ou grave ameaça e é inserido no bojo de algo maior”, mas opina que “não faz qualquer sentido no problema da corrupção”.

“O objetivo do indulto de Natal é diminuir a população carcerária, mas você tem poucos corruptos presos no Brasil. Indultar corruptos não diminui população carcerária”, argumenta.

Citando o acordo de colaboração da JBS, que ofereceu imunidade judicial aos irmãos Batista e foi bastante criticado, Deltan diz “o que esse indulto está fazendo é perdoar 80% da pena de quem só desviou dinheiro e não colaborou nada com a Justiça ou com a sociedade”.

Deltan Dallagnol diz que um dos beneficiados pelo indulto de Temer será o ex-deputado Luiz Argôlo (SD), condenado a 12 anos e 8 meses de prisão, detido desde abril de 2015. “Com esse decreto já pode sair da cadeia com a pena completamente perdoada”, diz.

Congresso, Lula e eleições

Deltan Dallagnol não dezprezou, porém, a reação do Congresso à Lava Jato.

“O Congresso já tentou fazer bastante coisa contra a Lava Jato: mudar a lei de colaboração premiada para proibir a delação de réus presos, tentou aprovar uma anistia de corrupção disfarçada de anistia à caixa dois eleitoral, tentou aprovar um projeto de lei de abuso de autoridade que amarrava investigadores em investigações legítimas, mas nada de muito grave passou nesse ano”, ponderou.

Questionado se o País tem “maturidade” para ver eventual condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo julgamento na segunda instância está marcado para 24 de janeiro, o procurador diz que sim.

“Acredito que o país tem maturidade, mas com maturidade ou não, o Judiciário tem um papel, que é fazer justiça, não importa quem seja a pessoa”, disse. “Estamos caminhando na direção do estado de direito, do império da lei. Todos devem responder diante da lei”.

“Entendemos que existem provas concretas, fortes e consistentes de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro e que o ex-presidente deve ser condenado”, afirmou. “Quero crer que essa decisão virá e ela será encarada com maturidade pela sociedade”.

Ele diz, no entanto, que a atenção da sociedade deve estar voltada ao Legislativo. “Os cargos mais importantes no combate à corrupção não são de presidente da república. são de deputados federais e de senadores. São essas pessoas que têm o maior poder em sua mão de esvaziar a Lava Jato, como o de aprovar medidas efetivas anticorrupção”, opinou.

“Muitas pessoas acham que a lava jato vai mudar o país. Mas não. Ela é um primeiro passo, necessário, mas não suficiente”, discursou o procurador.

Ele defende, nas eleições do ano que vem, “selecionar só gente com passado limpo, compromisso com valores democráticos e compromisso com uma agenda anticorrupção efetiva”.

Ouça a entrevista completa concedida a Thiago Uberreich:

Indulto de Temer gera reações diversas: estímulo à corrupção ou cumprimento constitucional?

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