Incêndio da boate Kiss completa 10 anos nesta sexta sem punições aos responsáveis

Amigos e familiares das 242 vítimas da tragédia tentam manter memórias vivas enquanto lutam por justiça

  • Por Jovem Pan
  • 27/01/2023 07h58 - Atualizado em 27/01/2023 09h10
EVELSON DE FREITAS/ESTADÃO CONTEÚDO boate kiss Incêndio na boate Kiss deixou dezenas de mortos em janeiro de 2013

Dez anos de uma dor que não passa. Mesma dor do dia 27 de janeiro de 2013. O incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, completa hoje dez anos sem punições aos responsáveis. Nessa década, familiares e amigos das 242 vítimas tentam manter memórias vivas enquanto lutam por justiça. A maioria das vítimas sofreu asfixia depois de inalar gases tóxicos, liberados pela queima do revestimento de espuma instalado no local, atingido pelas chamas de um artefato pirotécnico. Mais de 600 pessoas ficaram feridas. Em dezembro de 2021, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu anular o julgamento feito pelo Tribunal do Júri. Os quatro réus do processo foram soltos. O Ministério Público chegou a recorrer. Um novo julgamento deve ser realizado, mas ainda sem data definida.

Ingrid e a melhor amiga, Pamela, tinham acabado de se formar no ensino médio e não viam a hora de poder ir juntas para a balada. Mas, na época, Ingrid ainda era menor de idade e decidiu ficar em casa. “No dia 26, passei o dia muito mal, passei o dia me sentindo muito mal, com uma sensação ruim. Saí às 17 horas do trabalho e mandei uma mensagem para ela dizendo que não iria. Disse que faria 18 anos em três meses e que não iria precisar arrumar desculpa para não ir. No dia 27, às 2h30, eu comecei de novo a ter aquela sensação muito ruim, um aperto, um sufocamento. Comentei com meu ex-namorado que não estava me sentindo bem e que eu achava que alguma coisa iria acontecer”, relembra Ingrid. Sua amiga Pamela, que trabalhava na boate, foi uma das 242 vítimas do incêndio que chocou o Brasil.

A dor de Ingrid é mais do que só saudade. Durante muito tempo, ela diz que conviveu com a culpa de não ter ido à balada: “Durante muito tempo eu levei essa culpa. Eu pensava que eu podia ter estado lá, que eu podia, talvez, ter ajudado, ter tirado ela de lá. Talvez não (…) A cidade parecia um campo de guerra. Estava horrível. As ruas próximas todas trancadas. Era ambulância, caminhão frigorífico, era bombeiros, era tudo”, relembra Ingrid.

O local que tudo lembra dor e perda até hoje é palco de homenagens e manifestações. Há dois anos, Ingrid entrou pro coletivo “Kiss: que não se repita”. O projeto fundado em 2014 é uma forma de deixar viva a memória das vítimas e tentar combater a da tragédia. “A gente está ali por eles, para que não se esqueça, que a gente consiga essa justiça que a gente busca há tanto tempo, para que as pessoas entendam que aconteceu aqui, aconteceu com a gente, não foi lá fora, não foi em outro lugar, foi aqui, então, a gente só quer que as pessoas tenham mais empatia com a gente. Vai fazer dez anos, mas a dor é a mesma. A gente não vive o dia 27 só no dia 27. O dia 27 não é uma campanha que a gente vai ali e expõe, não. O nosso dia 27 é todos os dias nesses 10 anos. A gente espera com toda certeza que seja feito um novo julgamento, que se mantenham as condenações, porque foram nove anos para ser feito o julgamento para anularem tudo em meio ano”, critica Ingrid.

A história da tragédia foi parar no enredo de minisséries e livros. O jornalista Victor Borges escreveu sobre o caso e lançou, em 2017, a obra intitulada “Santa Maria: a Tragédia da Boate Kiss”. Foram mais de 2 anos de pesquisas, conversas com parentes, sobreviventes e investigadores. “Estava naquela fase de instrução do processo judicial ainda, não havia a data do júri. Estava começando o processo judicial. Pegamos uma fase de mergulho profundo em todas as partes do processo de mais de 20 mil páginas, com 62 volumes, algo muito denso, e, ao mesmo tempo, diretamente proporcional à tristeza que esse caso causou nas famílias das pessoas envolvidas e para todos nós que acompanhamos a tragédia”, relata.

Para o jornalista, a inversão de valores de pais perdendo filhos representa uma dor imensa que pode acontecer com qualquer pessoa. “O meu objetivo foi, primeiro, retratar uma dor que é irretratável, que é o pai perder o filho. Nós tivemos situações lá de pais e mães que perderam dois dos seus filhos. Ficaram absolutamente… numa tristeza dobrada… Se é possível retratar alguma coisa desse aspecto. A gente trouxe um pouco do que é essa dor”. Ele acredita que o livro pode servir de alerta para que outras tragédias do tipo não ocorram. “Eu vejo que houve, sim, avanço, a gente conversa com empresários, por exemplo, do setor de entretenimento, e a gente vê que, de fato, hoje, há uma dificuldade maior para concessão de alvarás de grandes espetáculos e eventos, especialmente pelo que aconteceu na boate Kiss.

*Com informações da repórter Soraya Lauand 

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