Operação policial na Cracolândia completa um ano
Há exatamente um ano, numa manhã de domingo, a Cracolândia acordava como nunca. Quase mil policiais, entre militares e civis, entraram no coração do chamado fluxo, desmantelando a estrutura de barracas que favorecia o tráfico de drogas.
Fábio Henrique da Silveira se lembra; ele estava lá dentro. Traficante e usuário naquele momento, ele se viu numa situação ainda pior nos dias que se seguiram. “Foi desespero. Era bomba e eu não tinha para onde ir. Não tinha ninguém para dizer ‘toma R$ 1 para tomar um café’. Fui para a Praça Princesa Isabel e acordei todo molhado com a calça cheia de barro. Pedi força para Deus e fui para a Casa de Recuperação e fiquei 32 dias lá”, disse.
Assim, Fábio começava uma jornada de recuperação.
Hoje ele cuida da limpeza de um espaço de atendimento da Prefeitura, perto da praça Princesa Isabel. A situação mudou muito pra ele, mas uma marca da Cracolândia permanece.
O Fluxo. Ele pode estar menor, mas ainda atinge fortemente a região de Campos Elíseos. A aglomeração dos usuários acontece em dois lugares distintos.
Na maior parte do tempo, os dependentes estão numa praça anexa à praça Júlio Prestes, junto à alameda Cleveland. No entanto, três vezes por dia, a Prefeitura faz uma limpeza, e eles voltam para quase o mesmo lugar que a antiga Cracolândia ocupava.
O ex-presidente do Conselho Comunitário de Segurança de Santa Cecília acompanha a situação há vários anos. Fábio Fortes diz que, de 2017 para cá, o entorno da praça Júlio Prestes ainda é um local conflagrado.
“Ali ainda continua sendo uma grande Faixa de Gaza no centro da capital. Se os números, muitas vezes, que as autoridades acabam considerando aumentou ou diminuiu é extremamente relativo do ponto de vista da violência. A violência continua e é permanente. As pessoas são roubadas, furtadas e também lojistas, moradores e comerciantes”, revelou Fortes.
O secretário municipal de governo de São Paulo coordena o programa Redenção, em parceria com o governo do Estado. Júlio Semeghini diz que alguns conflitos ainda são estimulados pelo tráfico a medida em que as ações da Prefeitura passaram a ocorrer durante a noite.
“Colocamos um pouco mais de guarda à noite. Mas também colocamos assistente social, assistente de saúde e uma parte da zeladoria, que era uma limpeza para que não amanhecesse tão sujo o local e as pessoas não passassem a noite num lugar tão insalubre. Ao fazermos isso, criamos um problema para as pessoas do tráfico, que ia lá para ‘abastecer’ as pessoas para depois irem para outro lugar consumir as drogas”, ressaltou Semeghini.
As autoridades reconhecem que o tráfico de drogas continua acontecendo dentro do chamado fluxo. A diferença fundamental é que o perfil do comércio de entorpecentes mudou.
O diretor do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico diz que, antes, a droga ficava concentrada em grandes quantidades na própria Cracolândia. O delegado Ruy Ferraz Fontes afirma que, agora, a entrada das drogas ocorre de maneira pulverizada.
“Hoje, eles não têm um lugar capaz de conter toda essa droga e distribuir essa droga no chamado fluxo. Eles estão botando no sistema formiguinha. Pegam o dependente, entregam 100 gramas e ela passa pelos cinturões de segurança no entorno. Mas ela não entra com a mesma força que entrava no passado”, afirmou Fontes.
O promotor Arthur Pinto Filho acompanhou durante todo esse primeiro ano as ações do poder público na Cracolândia.
Daqui a um ano, ele considera que o problema não estará extinto, mas pede calma; a mudança é um processo de anos. “Daqui a um ano não acabará, mas esta numa situação melhor do que estava antes. Esse é o passo.Se a cada ano conseguimos colocar uma situação cada vez melhor, vamos colocando um processo civilizatório que se torna irreversível. Tem que ter calma porque a Cracolândia pode acabar, mas não vai ser num passe de mágica”, admitiu Pinto Filho.
A vida também não está mudando num passe de mágica para o Fábio, com quem nós falamos no começo da reportagem. Mas, pouco a pouco, ele se sente um pouco melhor. Quem sabe, aos poucos, outras vidas também mudem. “Me sinto de pé e fortificado. Estou mudado e feliz. Mas não acabou não e está vindo coisa melhor ainda”, finalizou.
*Com informações do repórter Tiago Muniz
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