Lançando Ex-Pajé, Bolognesi detalha a Amazônia: índios largaram armas para lutar com a web
O currículo do diretor, produtor e roteirista Luiz Bolognesi é um dos mais impressionantes do cinema brasileiro. Nele estão, por exemplo, Bicho de Sete Cabeças (2001), Chega de Saudade (2007), As Melhores Coisas do Mundo (2010), Elis (2016), Bingo: O Rei das Manhãs (2017) e Como Nossos Pais (2017). Agora, ele inova mais uma vez e entra de cabeça no gênero documentário com Ex-Pajé – sucesso de críticas antes mesmo de estrear. Gravado no interior da Amazônia, o filme aborda o conflito existente atualmente nas aldeias decorrente da evangelização dos índios por líderes da igreja evangélica.
“É intenso. É a história de um grande pajé da Amazônia que viveu sem contato com os brancos até os 20 anos de idade. Ele se formou pajé na juventude por que tinha visões. Vale explicar aqui que o pajé era a figura central de todas as culturas antes de os brancos chegarem. Eram muito mais que médicos. Eram depositários do conhecimento científico. A tradição, o conhecimento científico, biológico, tudo vinha de conversas com eles. E o que acontece hoje é que as igrejas evangélicas estão entrando em aldeias com o discurso de que tudo que o pajé faz é ‘coisa do diabo’. Eles ganham a comunidade, viram a comunidade contra os pajés. Eles estão sendo perseguidos e, por constrangimento, tornando-se ex-pajés. Nosso personagem me contou que agora ele não pode dormir à noite com a luz apagada por que os espíritos batem nele. Estão bravos por que ele parou. Ele está apanhando de um lado e do outro”, explicou ao Morning Show.
“Estão entrando em tribos como entram em centros de candomblé e umbanda em São Paulo e Rio de Janeiro. É claro que isso não vem de todas as igrejas evangélicas. Não podemos generalizar. Mas há segmentos muito fundamentalistas. Como alguns islâmicos. Daqui a pouco vão exigir que as mulheres usem uma burca na cara. Essa parte embaralha os recados de Jesus. Nunca li na Bíblia recados dele mandado destruir a igreja do vizinho. Os recados são de acolhimento, abraços. É uma questão super barra pesada que o filme traz à tona para o Brasil refletir”, completou.
Responsável pelo roteiro e pela direção, Bolognesi aconselhou, no entanto, para os espectadores não irem aos cinemas esperando um retrato “romântico” da Amazônia. Essa evangelização não acontece no mesmo contexto das missões dos jesuítas no Brasil após o “descobrimento” do país pelos portugueses e obviamente os cenários são outros.
“As tribos estão tecnológicas. Os caras têm pickups. Fazem agrofloresta. Plantam café gourmet. Recebem dinheiro da Nestlé e da Coca-Cola para manter a floresta. Têm motocicletas. Mas são índios! Usam colares, criam artesanatos, mantêm suas festas, vestem cocares. E estão no Facebook. O filme mostra isso das redes sociais. Há embates. Entre os índios, a maioria é ambientalista. Não à toa os territórios mais preservados são os territórios indígenas. Na região onde filmamos, os madeireiros sempre invadem para tentar roubar madeira. No passado, os índios iam para cima. Rolava muita morte. Agora eles vão com celular, GPS e Facebook. Fotografam, marcam a localização, sobem a denúncia e as ONGs pressionam a Polícia Federal. O filme mostra essa Amazônia conteporânea do século XXI, diferente daquela romântica e intocada”, disse.
Para que todos entendam a mensagem, o diretor fez questão de gravar algumas cenas bem fortes. E, já alertando o spoiler, vamos revelar uma delas aqui: o momento em que o pastor diz que se solidariza com o sofrimento do protagonista e o convida para ser zelador de sua igreja. O ex-pajé então tira suas tradicionais vestes, coloca um uniforme e começa a varrer o chão após o culto.
“O papel do cinema não é deixar tudo explicadinho. É incomodar. E no meio da floresta, nessa história entre civilizado e selvagem, senti que o selvagem era eu”, finalizou.
Ex-Pajé tem previsão de estreia para o próximo dia 26 de abril nos cinemas.
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