Pingo Final: Moro impede depoimento de advogada à CPI
Meu pingo final vai para o direito de defesa. Há especulações as mais variadas para a decisão da advogada Beatriz Catta Preta, que abriu mão da titularidade da defesa de várias pessoas implicadas no petrolão, anunciando que vai morar em Miami, onde já tinha aberto um escritório. Sim, escreva-se tudo: as principais inferências dizem respeito ao deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), transformado no malvado predileto da imprensa. Ele só perde para Marcelo Odebrecht. Beatriz teria tomado a decisão depois que Júlio Camargo, um de seus clientes, mudou o teor de seus depoimentos e passou a acusar o deputado.
Fica difícil manter a racionalidade em dias assim. Até porque a irracionalidade é um bom mercado para oportunistas. Existe uma expressão latina que designa uma das conhecidas falácias lógicas: “post hoc ergo propter hoc”. Literalmente: “depois disso; logo, por causa disso”. Assim, o que acontece depois de um determinado evento, por coincidência ainda que inevitável, é tomado como consequência desse evento. O exemplo clássico: primeiro o galo canta, depois o sol nasce. Assim é. Sempre. Mas, não havendo galos, o sol nasce igualmente. Logo, uma relação coincidente não é uma relação de causa e efeito.
Foi por causa de Cunha? Não há a menor evidência disso, além da fofoca. A coisa se espalhou porque Celso Pansera (PMDB-RJ), aliado do presidente da Câmara, apresentou um requerimento à CPI da Petrobras pedindo para ouvir Beatriz. O objetivo seria saber a origem dos recursos que pagam seus honorários. Já volto ao ponto.
O juiz Sérgio Moro fez a coisa certa. Em despacho nesta quinta, afirmou não ser o caso de atender ao pedido da CPI, uma vez que as razões da convocação têm caráter apenas especulativo, sem indícios ou provas de que os honorários de Beatriz são pagos com recursos ilícitos.
Escreveu Moro: “O atendimento da solicitação, assim como outras similares, por exemplo para investigação de familiares de acusados colaboradores, quando ausentes indícios concretos de seu envolvimento em atividade criminosa, (…) apenas causaria constrangimentos aos acusados e seus defensores, não se vislumbrando, com facilidade, o seu propósito, especialmente quando concentradas, pelo menos os requerimentos do aludido deputado, somente sobre os acusados que resolveram colaborar com a Justiça e nenhum outro.”
A sua decisão ainda não é em caráter definitivo. Ele deu prazo de cinco dias para que o Ministério Público e a OAB se manifestem a respeito.
Eu estou cantando e andando para os linchadores. Estão fazendo o seu trabalho. Ganham pra isso. Sei o que eu penso. Quando a Polícia Federal tentou transformar a advogada Dora Cavalvanti em investigada, eu protestei. E protestei também quando a CPÌ convocou Beatriz: “Começo por quem não deveria estar na convocação de jeito nenhum. O que faz na lista a doutora Beatriz Catta Preta? Ela é advogada de alguns réus, como é o caso de Pedro Barusco, participou de acordos de delação premiada, mas é evidente que não faz sentido convocá-la. Parece-me uma forma de constranger o direito de defesa, o que não fica bem a uma CPI, especialmente no corpo de uma operação que está longe de ser o Moisés do Estado de Direito, não é mesmo? Antes de convocar a doutora Catta Preta, os senhores deputados deveriam pensar na imunidade de que gozam para fazer o seu trabalho.”
Fui dos poucos da grande imprensa, talvez o único, a fazê-lo. Assim, é evidente que acho correta a decisão de Sérgio Moro. Seguirei defendendo os fundamentos que sempre me guiaram aqui. Quando concordo com ele, concordo; quando discordo dele, discordo.
E que se note: é claro que acho estranhíssima a decisão da doutora Beatriz. Não é o tipo de guinada que se dê da noite para o dia. Eu também acho que há coisas aí das quais não sabemos. Só me nego a me entregar às especulações mais preguiçosas na linha “prendam os suspeitos de sempre”.
Se a moda pega, dentro em breve, advogados não poderão atuar, jornalistas estarão obrigados a ouvir apenas a Polícia e o MP, e os juízes estarão impedidos de seguir as leis.
Não! Obviamente, o “RA” das anotações de Marcelo Odebrecht, como deixa claro a Polícia Federal, é “Rogério Araújo”, não “Reinaldo Azevedo”, como espalham os canalhas. Mas pergunto para efeitos apenas especulativos: e se fosse? Eu estaria proibido, como jornalista, de conversar com ele? A imprensa deve se abster de ouvir empreiteiros? Um dos blogueiros sujos ataca também a Folha, que teria tentado “combinar” uma entrevista com Marcelo Odebrecht. Tudo porque o empreiteiro especula, em suas anotações no celular, sobre a conveniência de falar ou não ao jornal.
Mantenho o prumo. As ações estão adequadas ao Estado de Direito? Aplaudo. Não estão? Critico. Pouco me importam objeto e personagens da minha análise.
Serve assim? Ótimo! Não serve assim? Será assim. O futuro nos contemplará a todos.
Comentários
Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.