Supremo invade poderes do Legislativo ao determinar pagamento de precatórias até 2020
Reinaldo, o STF decidiu que Estados e municípios têm até 2020 para quitar todos os precatórios. Você gostou da decisão?
Não e vou dizer porque. O assunto, ouvintes, não é dos mais excitantes, é meio cheio de tecnicalidades, meio chatinho, mas acho que consigo destrinchar aqui. E é importante. O Supremo determinou, nesta quarta, que os precatórios de Estados e municípios sejam integralmente quitados até 2020. Parece bom? Com a devida vênia, trata-se de uma evidente usurpação das prerrogativas de Poder por outro. Esses entes da Federação têm agora menos de cinco anos para resolver um espeto de R$ 94 bilhões. E se não aparecer o dinheiro? Ah, sei lá, talvez seja preciso expropriar alguma praça pública…
Vamos aos fatos. O Congresso havia aprovado em 2009 uma emenda constitucional disciplinando o pagamento dos precatórios: estabeleceu-se um prazo de 15 anos, corrigindo-se os títulos pela TR e abrindo a possibilidade do leilão inverso. O que é o leião inverso? O credor que aceitasse um desconto maior teria prioridade no pagamento. Em 2013, a OAB entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a emenda, que foi acatada pelo relator, Luiz Fux. O homem estabeleceu um prazo de cinco anos – até 2018! – para o pagamento e decidiu que o próprio Supremo criaria os critérios.
Deu-se, então, algo fabuloso: alguns Tribunais de Justiça pensaram o óbvio: se o texto legal que disciplina a questão é inconstitucional e se um novo será criado, suspendam-se todos os pagamentos. A gritaria foi geral. A OAB voltou à carga e arrancou do ministro Fux, pasmem!, uma liminar determinando que os pagamentos continuassem a ser feitos com base na lei que ele mesmo declarara… inconstitucional!!!
E, desde essa data, por artes do ministro Fux e da OAB, os pagamentos de precatórios eram feitos com base numa liminar de Fux que, na prática, contestava uma decisão de… Fux!
Nesta quarta, o tribunal botou um pouco de ordem na bagunça – mas, a meu ver, feriu a independência entre os Poderes. Além de decidir que tudo deve ser quitado até 2020, substituiu a TR na correção dos títulos pelo IPCA-E (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial). Mais: a partir de 2020, as dívidas reconhecidas até julho terão de entrar no Orçamento do ano seguinte. Os ministros decidiram ainda validar as negociações feitas até agora, para evitar futuras ações judiciais, mantendo a permissão do pagamento com desconto, mas limitado a 40% da dívida.
O ministro Marco Aurélio fez uma consideração absolutamente correta. Segundo ele, cabia ao tribunal apenas dizer se a emenda de 2009 era constitucional ou não, sem estabelecer a forma como deve se dar o pagamento. Disse ele: “Estamos a substituir o Congresso Nacional. Estamos a reescrever a Constituição Federal (…)”.
É evidente que não cabe a uma corte constitucional decidir se o pagamento deve ser feito assim ou assado. É um despropósito. Pensemos na questão do desconto de 40%. Ora, se um ente da federação tem uma dívida gigantesca e pode negociá-la com desconto de até 60%, 70% ou 99% – e se a parte que vai receber concorda -, com que autoridade e segundo qual princípio um tribunal constitucional vai dizer que não pode? Pergunta óbvia: há algum artigo na Constituição que proíbe descontos acima de 40%? Ou ainda: descontos acima de 40% ferem alguma cláusula pétrea da Carta?
Finalmente, uma pergunta: o tribunal estudou a economicidade da decisão? Por que é até 2020, não até 2019 ou 2025? Há de haver uma razão que não seja o puro arbítrio, uma vez que, até onde sei, a Carta também é omissa sobre o prazo do pagamento de precatórios. Tanto a decisão é arbitrária que, originalmente, Fux havia definido o ano de 2018. Nunca entendi por que a PEC de 2009 era inconstitucional. E agora não entendo por que o Supremo tem de entrar nessas minudências.
A propósito: esse foi o primeiro malefício à constitucionalidade e à independência entre os Poderes causado pela dupla Fux-OAB. O outra diz respeito à ADI que quer proibir a doação de empresas privadas a campanhas eleitorais, também relatada por Fux, também por iniciativa da OAB. Se a tese prosperar e se o Congresso não a corrigir com uma emenda constitucional, a política brasileira mergulhará na clandestinidade de vez.
E volto ao ponto com uma última pergunta, que vale tanto para a questão dos precatórios como para a do financiamento de campanhas eleitorais: faz sentido o Supremo legislar quando acha que o Congresso não o fez a seu gosto?
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