TCU: governo alega inocência por saber que transgredia a lei

  • Por Jovem Pan
  • 16/07/2015 11h00
BRASÍLIA,DF,17.06.2015:COLETIVA-TCU-REJEIÇÃO-CONTAS-GOVERNO - O Ministro Relator do Tribunal de Contas da União (TCU), João Augusto Ribeiro Nardes, concede entrevista coletiva, nesta quarta-feira (17), em Brasília, DF, para falar sobre a rejeição das contas do Governo, referente ao ano de 2014. (Foto: Charles Sholl/Futura Press/Folhapress) Folhapress João Augusto Ribeiro Nardes

Reinaldo, será que a tese do governo de que fez com as contas o mesmo que no outro governo vai colar?

Augusto Nardes, relator no Tribunal de Costas da União do parecer sobre as contas do governo de 2014, concedeu uma entrevista à VEJA..com. Leiam no posta anterior. Ele contesta a tese de que o tribunal sempre tolerou as chamadas “pedaladas fiscais”, que consistem, para ser sintético, numa maquiagem da contabilidade pública destinada a esconder rombos. A presidente Dilma Rousseff tem até o dia 22 para responder a algumas questões enviadas pelo tribunal. Só, então, os ministros votarão o relatório. Tudo indica que o governo federal vai querer fazer uma revolução involutiva do direito.

A linha de defesa esboçada até agora pelo Planalto, vocalizada por Luís Inácio Adams, advogado geral da União, é, entendo eu, um desastre técnico e ético, além de repercutir aquela máxima petista de que os pecados merecem perdão porque outros pecaram antes — os companheiros só teriam dando sequência. Por que digo isso? O governo tenta espalhar a versão de que nada mais fez do que dar continuidade ao que era corriqueiro. Logo, interrogam eles de forma subliminar: “Por que estão pegando só no pé do PT?” E a resposta sub-reptícia é esta: “Ah, é tudo perseguição ideológica”.

Todos vocês conhecem um princípio universal do direito — ao menos nas democracias, segundo o qual ninguém pode justificar o crime cometido alegando ignorância da lei. Ou por outra: o fato de a gente eventualmente ignorar que uma determinada prática seja proibida não nos torna, em princípio, inocentes.  É evidente que se trata de um bom fundamento. Não fosse assim, imaginem a farra: “Ah, eu não sabia que era proibido matar. Não faço nunca mais”. Acho que não seria aceitável numa sociedade civilizada.

O governo, tudo indica, vai tentar uma coisa ainda mais esdrúxula: ALEGAR INOCÊNCIA JUSTAMENTE PORQUE, CONHECENDO A LEI, RESOLVEU TRANSGREDI-LA, SOB A JUSTIFICATIVA DE QUE OUTROS JÁ A TRANSGREDIRAM ANTES.  Aí estamos no mais escancarado surrealismo.

Notem: até agora, o governo nem mesmo diz que ignorasse a lei — o que, é claro, seria impossível. Deixa claro que dela tinha conhecimento, mas que, segundo a sua versão, ultrapassou seus limites porque assim agiram seus adversários quando no poder. Estamos diante de uma aberração jurídica, técnica. Fosse na área criminal, seria uma confissão de dolo. A ser esta a defesa do governo, o TCU não terá alternativa a não ser recomendar, por unanimidade, a rejeição das contas. Ou isso ou a humilhação.

Numa das respostas, na entrevista, Nardes vai ao centro da questão: “Acredito que Luís Inácio Adams e sua equipe são competentes. O Brasil todo espera que haja uma explicação plausível para o gasto de mais de 40 bilhões de reais sem autorização do Congresso Nacional. A sociedade tem de saber para onde foi o recurso. Por isso esperamos que tudo seja justificado de forma adequada. Eu realmente torço que tudo seja esclarecido da forma mais competente possível, porque o TCU é um dos guardiões da Lei de Responsabilidade Fiscal.”

E é mesmo! Aliás, deveria sê-lo também o governo federal. Mas é o primeiro a fazer lambança.

Se a tese do Planalto passar, estaremos diante de uma revolução involutiva do direito. Sei que é difícil, Adams! Afinal, não há explicação para o inexplicável.

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