Cardiologista lança livro polêmico dizendo que ‘está tudo errado com a medicina’ e lista 9 pecados contra a saúde
Dr. Manoel Fernandes propõe trocar velhos vícios por bons hábitos na obra ‘Medicina: Está Tudo Errado. Descubra Antes de Adoecer’
Um cardiologista em nome da verdade, do bem e da informação. Assim, o Dr. Manoel Fernandes poderia se autodescrever de forma resumida e um tanto quanto objetiva. Afinal, desde a concepção do projeto, foram cerca de seis anos de pesquisas até chegar ao produto final, o lançamento de “Medicina: Está Tudo Errado. Descubra Antes de Adoecer”, livro lançado pela Editora Leader. “Li mais de 3.000 artigos científicos e uns 350 livros, e fui tirando conclusões, números, dados e traçando minha linha de raciocínio. Posso afirmar que foi muito trabalho, mas a diversão foi ainda maior”, brinca o autor. Especialista em cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia, o médico tem também o dom da escrita, além de promover a saúde.
Pudera. O estudioso da medicina de estilo de vida, palestrante e escritor é ainda membro da Academia Montesclarense de Letras, e é óbvio que essa obra não poderia passar despercebida. Ao folhear as páginas, percebemos uma narrativa atraente, que envolve o leitor e o conquista a cada capítulo. “Resolvi criar os nove pecados que a maioria das pessoas comete contra sua saúde, que vai provocar bastante surpresa entre as pessoas. É uma espécie de guia que tem como base o conhecimento respaldado pela ciência, que aponta os vícios mais comuns cometidos pelas pessoas e como superá-los para ter saúde”, relata. Aproveitando o lançamento da obra, o portal Jovem Pan fez uma entrevista exclusiva com o médico para entender essa linha de raciocínio um tanto quanto “fora da caixa”. De temas polêmicos como a reposição hormonal até a importância da espiritualidade para a saúde física e mental, o doutor falou sobre tudo um pouco.
Podemos dizer que esse livro o torna um cardiologista inquieto que virou um médico integrativo, ou seja, o senhor traz um viés de medicina humanizada que era bem mais utilizado no passado?
Em 2002, li um livro maravilhoso chamado “Medicina Espiritual”, do cardiologista e professor de Harvard Herbert Benson. Foi a partir dessa obra que senti uma forte necessidade de questionar: por que estudar apenas sobre aquilo que nos torna doentes e infelizes? Para a minha surpresa, naquela época, já existia um tesouro de informações sobre esses temas, principalmente, na literatura norte-americana. Conectando informações, cheguei a essa visão, vamos dizer, mais completa do que é ser um ser humano. Desde então, tenho feito visitas à filosofia, psicologia positiva, genética, nutrição, medicina, corpo-mente, antropologia, arqueologia. Essa visão mais ampla me permitiu entender os fatores que nos tornam mais saudáveis ou mais doentes e assim agir na causa das doenças e não apenas controlar sintomas.
No livro, uma passagem me pegou: “fumar por pouco tempo pode ser menos prejudicial do que usar suplementos em geral”. Pode explicar para a gente?
Sim. Pesquisas já demostraram que a reposição hormonal aumenta os riscos de câncer entre 16% e 20% em casos em que o tratamento durou cerca de cinco anos. Fumar é uma das escolhas mais infelizes que alguém pode fazer, mas não temos registros de que o cigarro cause tanto malefício em tão pouco espaço de tempo. Daí a comparação, e, sim, é para chocar mesmo.
Por falar em reposição hormonal, qual sua posição sobre ela e a soroterapia?
Médicos são escravos da ciência bem-feita. Quando ignoramos as verdades que surgem a partir das pesquisas científicas bem conduzidas, colocamos nossos pacientes em risco. Em 2002, o governo americano financiou uma pesquisa denominada Women’s Health Initiative (WHI), que foi concebida para determinar os riscos e benefícios da terapia hormonal. Esse estudo envolveu quase 28.000 mulheres pós-menopausa. Os resultados não deixaram dúvidas, apesar de melhorar sintomas relacionados à menopausa, a terapia hormonal aumenta os riscos de câncer, infarto e trombose, em níveis inaceitáveis. Desde então, a terapia de reposição hormonal de rotina deixou de ser recomendada por todas as sociedades médicas do planeta. Quando há carência de vitamina B12 e ácido fólico, devemos repor, sem dúvida. Depois de dezenas de estudos científicos bem conduzidos, não restam mais dúvidas de que as pessoas que fazem reposição de cápsulas de vitamina C, vitamina E e vitamina A e antioxidantes, em geral, se tornam sujeitas a maior risco de câncer, derrame e infarto. Perdoe-me, mas essa coisa de soroterapia me parece mais charlatanismo do que qualquer outra coisa.
A propaganda ostensiva cria necessidades inexistentes nas pessoas, ou seja, acabamos consumindo por inércia quando o assunto é saúde?
É aquela velha máxima: “mercado você não disputa, você cria”. Os especialistas em neuromarketing sabem, exatamente, como os nossos cérebros funcionam e sabem criar apelos irresistíveis para nós, médicos e consumidores. A maior parcela do investimento que a indústria farmacêutica faz é exatamente em marketing. Há muito tempo, é a ciência que dita os rumos da humanidade e ela não trabalha para melhorar a vida das pessoas e, sim, pelo lucro. Quando o bem-estar surge, ele surge como um efeito colateral e não como um propósito em si. Não podemos ser hipócritas: se a ciência médica trabalha em prol da humanidade, a indústria bélica também. Eu e meus colegas somos pessoas honestas e responsáveis como qualquer ser humano.
O senhor é polêmico e cirúrgico sobre alguns posicionamentos. Não tem medo da pressão da indústria farmacêutica ou do cancelamento?
Meu código de moral me obriga a dizer aquilo que penso, não importa se serei mais ou menos popular. Estou totalmente respaldado pela ciência bem-feita. Tenho medo apenas de me tornar uma pessoa ruim. Dito isso, devo dizer que amo profundamente a medicina e não sou louco a ponto de não reconhecer as virtudes da medicina. Não sou louco a ponto de dizer que a indústria farmacêutica não produz medicamentos extremamente importantes para a humanidade.
Na sua opinião, o erro das pessoas está em desacreditar que somos o que comemos?
A frase “somos o que comemos” nunca foi tão verdadeira. O intestino, em conjunto com a nossa flora intestinal controla nosso sistema imunológico de defesa, peso corporal, metabolismo, nossa genética e o nosso humor. Você sabia que mais de 90% dos principais hormônios que atuam no cérebro são produzidos pelo consórcio flora intestinal? Somente nos últimos 10 mil anos é que começamos a criar farinhas e outros produtos feitos a partir dos alimentos que os nossos intestinos sabem digerir. Nossos intestinos jamais aprenderão a digerir esses alimentos e as nossas bactérias intestinais simplesmente morrem quando ingerimos esses produtos enganosamente chamados de alimentos. Somos o que comemos: quando comemos plantas e pequenas quantidades de animais permanecemos saudáveis. Quando ingerimos produtos feitos a partir dos alimentos nos tornamos doentes, simples assim.
Na obra, o senhor listou os nove pecados capitais: ingestão de processados, sedentarismo, sono inadequado, desobediência ao ritmo circadiano (pouco sono), falta da exposição adequada ao sol, estresse crônico, solidão e ausência de religiosidade e/ou espiritualidade. Qual o mais nocivo?
Não existe isso, na verdade, um está ligado a outro, em maior ou menor intensidade. A ciência coloca o sono como o pilar número 1 para a nossa saúde física e mental, mas eu já creio que o pilar número 1 é a espiritualidade, pois é a partir daquilo que acredito, que eu tomo todas as decisões importantes para a minha vida. Daí emendamos em outro mal do século: a solidão. É preciso estar bem espiritualmente para ter e cultivar amigos e realizar outras tarefas como exercitar-se, tomar sol e dormir bem. O melhor é trabalharmos, diariamente, pensando a longo prazo, para fugirmos dos pecados capitais e abraçarmos a vida sempre sorrindo.
Comentários
Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.