Beto Caetano: Um passo para sair do atraso
A aprovação do novo marco do saneamento abre o caminho para o Brasil atacar uma realidade vergonhosa: o convívio de 100 milhões de brasileiros com esgotos
Ainda é necessário o aval do presidente Jair Bolsonaro, mas o placar com vitória esmagadora do projeto do novo marco legal no Senado, na noite desta quarta-feira, 24 de junho, indica que finalmente o Brasil embica no rumo de tirar um atraso vergonhoso. Mesmo depauperado pela sequência de recessão e estagnação desde 2014, o país ainda chegou ao final do ano passado como a 10ª economia do mundo – já fomos a 6ª maior em 2011. No entanto, em matéria de saneamento básico, o Brasil se mantém para lá do 100º posto. Estamos atrás, além de todos os desenvolvidos, de países como Egito, Tailândia, Sri Lanka, Irã, Azerbaijão, Argélia, Iraque. Na América Latina, nos situamos muito longe dos melhores da região nesse setor, Argentina, Chile, Uruguai e Costa Rica, e também depois de Cuba, México e Equador, entre outros.
Diarreia, cólera, febres tifoides, amebíases, dengue, infecções intestinais por bactérias, vírus ou protozoários. Essas são algumas das doenças relacionadas à falta de saneamento adequado – isto é, a falta de acesso a água tratada e a rede de coleta de esgotos. Só uma dessas doenças, a diarreia, é apontada como a segunda causa de morte entre crianças de até 5 anos no mundo, segundo a Unicef, braço da Organização das Nações Unidas dedicado à proteção à infância. E a Organização Mundial de Saúde, por sua vez, calcula que 94% dos casos de diarreia se devem ao convívio em condições sanitárias precárias.
No Brasil, 15 crianças morrem por dia pela falta de saneamento – perto de 6 mil por ano -, vítimas dos males mencionados acima. A coleta de esgoto e o acesso à água potável poderiam evitar 88% dessas mortes. Somente no primeiro trimestre de 2020, 40 mil cidadãos foram internados por doenças que vieram em decorrência da falta de saneamento, segundo a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental.
Aposta na iniciativa privada
A resistência ao investimento privado, mesmo com a escassez de dinheiro público e com a abundante incapacidade de empresas de governos estaduais e municipais agirem para mudar a realidade, tem sido a característica por décadas. Com regras complicadas e, em certas situações, impeditivas, as companhias privadas do setor atendem apenas 6% dos municípios do país. O bloqueio a mudanças na área, por razões político-ideológicas e interesses corporativistas, está por trás da enorme dívida perante dezenas de milhões de brasileiros em um serviço tão básico quanto a oferta de água tratada – como exigir dessas pessoas, hoje, que lavem as mãos para se proteger do coronavírus? E maior ainda é a dívida em matéria de coletar e tratar adequadamente os esgotos produzidos em suas casas. Isso sem contar a insuficiência na retirada e destinação correta ao lixo sólido.
Todos esses serviços que começaram a ser desenvolvidos no século 19 são hoje universalizados, ou quase isso, nos países com nível de vida mais civilizado. São indicadores não apenas de conforto, como também de saúde e de cuidado com o meio ambiente. E sua ausência afeta o desempenho na educação e a produtividade do trabalho.
Há indicações consistentes de que as novas regras irão atrair o setor privado a suprir serviços para esse enorme mercado não atendido no Brasil. Se isso de fato ocorrer, o país poderá ver nos próximos anos uma virada como já se deu com a privatização da telefonia e da distribuição de energia elétrica. Poucos brasileiros hoje não contam com luz elétrica e menos ainda não têm ao menos um celular. A ambição agora é que, num futuro próximo, nenhum fique sem água potável em casa e nenhuma casa esteja desligada da rede de encanamento do esgoto. De quebra, virá um considerável investimento gerador de empregos numa extensa cadeia de setores. Ufa, finalmente uma boa notícia para os brasileiros?
*Beto Caetano é comentarista de economia e negócios
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