Coronavírus reduz renda de 80% dos favelados a menos da metade

Segundo pesquisa do Instituto Data Favela, mais de um terço dos quase 14 milhões de moradores das comunidades tiveram a renda zerada

  • Por Beto Caetano*
  • 24/06/2020 19h08
Fernando Frazão/Agência Brasil Comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro; só 4 de cada 10 pessoas que moram nas favelas conseguem seguir as medidas recomendadas para prevenir o contágio do coronavírus, segundo o Instituto Data Favela

Como as pessoas que habitam as áreas urbanas mais pobres do Brasil estão sobrevivendo em meio à crise causada pelo coronavírus? “Nas favelas brasileiras, 80% das famílias estão vivendo com menos da metade da renda, já baixa, que tinham antes da pandemia”, afirma Renato Meirelles, sócio do Data Favela, um instituto dedicado a levantar informações nas comunidades carentes. Pior ainda, mais de um terço das famílias ficaram sem nenhuma renda desde que foi iniciado o isolamento social para combater a Covid-19. Essas informações são parte de uma pesquisa recém-divulgada pelo Data Favela. Para chegar a elas, foram feitas 3.321 entrevistas em 239 favelas de todos os estados, no período de 19 a 22 de junho. O resultado traz à tona a situação de 13,6 milhões de brasileiros – uma coletividade que, caso formasse um estado, este seria o quinto mais populoso da federação, atrás apenas de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia.

O Data Favela surgiu da parceria entre Meirelles, que é presidente de outro centro de pesquisa, o Instituto Locomotiva, e Celso Athayde, fundador da Central Única das Favelas. Conhecida pela sigla Cufa, trata-se de uma ONG fundada há 20 anos para representação política e atuação nos campos social, cultural e educacional nas periferias das grandes cidades. As pesquisas do Data Favela são realizadas pelos moradores das próprias comunidades, que são treinados e supervisionados pela equipe do Instituto Locomotiva, focado em entender o comportamento do consumidor e prestar serviço a empresas e outras organizações.

O estudo “Pandemia na Favela”, verificou, entre muitas outras constatações relevantes, que apenas 4% das famílias faveladas não tiveram redução da renda, 5% registraram diminuição pequena e 11% viram o rendimento cair à metade. Dentro dos 80% restantes que estão vivendo com menos da metade do dinheiro que costumavam ter, encontram-se 35% que tiveram a renda zerada. Essa população já enfrenta habitualmente muitas precariedades. Nas classes sociais predominantes nas favelas, 60% das pessoas vivem em casas com 4 ou mais moradores – em 15% das moradias coabitam 6 ou mais pessoas. De cada 10 domicílios, 6 têm no máximo 2 quartos.

Mais da metade das famílias têm filhos, sendo que 19% delas têm 3 ou mais. Com a paralisação das aulas, 87% das famílias que têm filhos em idade escolar viram as despesas de casa aumentarem e 81% responderam que o fato de as crianças estarem em casa dificulta o trabalho de outros membros e a obtenção de renda. Em decorrência dessas dificuldades que afetam o rendimento, só 4 de cada 10 pessoas que moram nas favelas conseguem seguir as medidas recomendadas para prevenir o contágio do vírus. E, entre os demais, 72% afirmam que não conseguem cumprir as medidas devido à necessidade de trabalhar ou ir atrás de dinheiro.

Solidariedade comunitária

Para enfrentar a carência, 9 de cada 10 famílias consultadas afirma que receberam algum tipo de doação. Alimentos, cestas básicas, produtos de higiene pessoal e itens de limpeza formam a maior parte do que foi doado. Só 38% das famílias responderam ter recebido ajuda em dinheiro. As fontes de doação foram, em primeiro lugar, empresas e ONGs, em segundo, parentes e amigos, em terceiro, governos, e em quarto lugar, igrejas. “Chamou minha atenção o fato de que a favela doa mais do que o asfalto”, diz Meirelles. Quanto ao auxílio emergencial de R$ 600 por mês criado pelo governo federal, 7 de cada 10 famílias pediram. Mas, até agora, 41% dos que buscaram esse quebra-galho ainda não receberam nem a primeira parcela.

Nesse quadro de escassez, o espírito comunitário parece ter se fortalecido. Anota o estudo que, mesmo neste momento de necessidade extrema, 62% das pessoas destinaram uma parcela do que receberam para ajudar parentes e amigos, evidenciando a força dos laços de solidariedade dentro da favela.

*Beto Caetano é comentarista de economia e negócios da Jovem Pan.

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