Caso Suzy: Militância identitária travestida de jornalismo foi o que condenou Drauzio e a Globo
Médico e emissora terão que pagar R$ 150 mil aos pais de uma criança estuprada e morta pela transexual a quem cobriram de solidariedade numa matéria que santificava a assassina, e se esquecia de suas vítimas
A militância identitária travestida de jornalismo foi o que condenou Drauzio Varella e a rede Globo a pagarem R$ 150 mil aos pais de uma criança estuprada, torturada e morta por uma transexual a quem cobriram de solidariedade numa matéria que santificava a assassina, e se esquecia de suas vítimas. A solidariedade indiscriminada a quem seja, um assassino arrependido, um monstro arrependido, não deve ter filtros. Mas o que houve na matéria da Rede Globo — que tenta descortinar o preconceito, a marginalização de transexuais em presídios, foi muito aquém do aspecto solidário. Drauzio, investido do papel de repórter, abraçou, abençoou e se compadeceu, sem o saber, de uma pessoa que por horas torturou, matou e estuprou uma criança, veiculando esta imagem como símbolo de fraternidade e amor indiscriminado. Se esqueceu — ou não quis saber — que seus olhos vendados para o crime da pessoa em questão são os olhos abertos dos pais que tiveram seu filho brutalmente morto, que assistiram ao espetáculo da santificação do monstro que matou seu filho.
Sim, o perdão e o amor devem ser cegos diante do arrependimento e da tentativa de melhoria de um monstro assassino que seja. Mas ali, na matéria veiculada, o perdão mostrado e sacramentado em imagem icônica, que louva o assassino como mártir desprotegido, que transforma o monstro em figura empática aos olhos de milhões de espectadores, descaracteriza o aspecto jornalístico, descaracteriza a misericórdia, e transforma a matéria em defesa de tese, sem a profunda investigação que deveria ser feita. Sem clareza dos fatos, você pode transformar sua pretensa boa ação num transtorno para pessoas em redor. Toda ação de um bem é difícil e envolve uma profunda investigação da realidade. Imaginem a dor de um pai, de uma mãe, que veem o assassino de seu filho sendo louvado na maior emissora do país como uma vítima. Revivendo a morte de seu filho pelas mãos de um personagem santificado pela maior emissora do Brasil, através do abraço complacente do mais renomado médico do país.
Em defesa da Globo, pode-se afirmar que não foi intenção da emissora, muito menos de Drauzio, causar tamanha dor a esta família. A acusação justa à Globo e a Drauzio é que eles ali não fizeram jornalismo. Se prestaram à propaganda ideológica. E quando se submete a realidade a um princípio ideológico, a realidade vira aspecto formal para distorção ideológica. E quando se faz esta inversão de jornalismo travestido de ideologia, inexoravelmente se sacrifica tanto a realidade como a justiça. Na matéria fizeram campanha identitária de defesa de um grupo que é — de fato — historicamente discriminado: o das transexuais. Assim como fazem contínua defesa de grupos historicamente discriminados, como mulheres, gays, negros, etc. Mas se esqueceram de que a justiça individual tem primazia óbvia sobre uma injustiça histórica ou coletiva. A matéria absurda sobre as presidiárias trans desnuda toda uma campanha identitária que separa pessoas por etnias, estigmas, sexualidade, características, como opressores preferenciais e oprimidos totais. Se esquecendo de um verdadeiro julgamento individual para além de qualquer preconceito de suposta virtude ou vício. Se você julga alguém como vítima coletiva, sem saber de sua história, de seus atos, ações e intenções, quem está estabelecendo um novo preconceito jornalístico é você.
A Globo, como Drauzio, defende a bandeira da esquerda identitária. Muitas vezes a Globo comete injustiças flagrantes que promovem acusados a criminosos. Na última delas, condenou um rapaz por ”flagrante racismo” que tinha sido totalmente absolvido da acusação de preconceito por uma juíza. Drauzio, por sua vez , sempre teve uma atuação ideológica clara. No artigo ”As razões do crime”, de 2007, dizia que o crime era uma instituição de direita e que o capitalismo em si mesmo promove roubo. No artigo, o médico chega a romantizar o código de ética de presidiários (não namorar mulheres de parceiros, não roubar da mesma gangue, não delatar companheiros, etc). O médico romantiza criminosos como vítimas sociais, o que é a tradução máxima da esquerda identitária que vê a sociedade como mãe de todos os males individuais e despreza qualquer tipo de origem do mal baseado na índole da pessoa. Os fatos desmentem Drauzio: a imensa maioria da população pobre e desprivilegiada brasileira trabalha dignamente, a despeito de condições precárias. O banditismo é sobretudo um fator de índole e inclinação pessoal.
Neste afã de fazer uma propaganda do vitimismo social, Drauzio — que lá estava como repórter, não médico — se esquece de pesquisar os males que sua ”vítima social” assassina fez. Se esquece de pesquisar quem foram suas vítimas, os males que causou. Se esquece de procurar as pessoas que sofreram pela perda de um filho. Neste afã de demonstrar uma tese, fez propaganda de um assassino matando pela segunda vez o filho dos pais que assistiram sua defesa de tese identitária, desprezando a ação individual, a realidade individual, as ações individuais das pessoas. Drauzio não fez uma manifestação de perdão — que sempre é discreta, como toda virtude deve ser. Drauzio fez a propaganda escancarada de uma ideologia perversa que enxerga a realidade e as pessoas de maneira binária. Bons e maus, de acordo com sua origem. Não vejo ideopatia mais preconceituosa em sua base que esta. Atrás de Drauzio, havia a rede Globo. Endossando a tese dele, entrou em campo para fazer uma matéria que a defendesse.
A militância identitária travestida de jornalismo foi o que condenou Drauzio e a Globo pela matéria que santifica uma transexual assassina e estupradora de uma criança. No afã de defender causas de grupos historicamente discriminados, se esquecem de julgar indivíduos e a realidade. O jornalismo militante transforma a investigação da realidade em defesa de tese. Para justificar uma causa, seja a favor de grupos ou contra grupos, grandes mídias como a Globo adaptam a realidade, por vezes destruindo reputações e enaltecendo monstros. Se um jornalista vai atrás da cobertura de um ideal a ser construído para além da investigação profunda dos fatos, ele já deixa de ser jornalista. Vira um ator político, ideólogo. Drauzio Varella estava ali como jornalista. Não quis saber da história da trans presa. Nisto enalteceu um monstro e provocou a mágoa, a dor da família que teve seu filho estuprado, torturado e assassinado, vendo o assassino de seu filho ser alçado à mártir nacional.
A Globo e outras grandes mídias do país se prestam sistematicamente a defender causas identitárias. A favor e contra pessoas, muitas vezes impondo atos condenáveis — como o racismo, a homofobia, o machismo, o abuso, etc, a pessoas — sem prova cabal. Quando se faz justiça coletiva, se esquece da justiça individual. Se esquece que um indivíduo — branco, negro, homem, mulher, trans, etc, pode ser um herói ou um monstro. A que ponto pavoroso da inversão de justiça nossa sociedade chegou em que grupos inteiros, sexos, etnias, são julgados pela coletividade, e não pela ação individual de cada um. Que esta tragédia seja endossada e construída por uma grande mídia, que comunica uma versão distorcida e injusta da realidade em nome de uma causa, só deixa a situação ainda mais sombria.
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